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Cartão de Natal

 

"Feliz Natal aos que repartem Deus em fatias de pão e convocam os famélicos à mesa feita com as tábuas da justiça e coberta com a toalha bordada de cumplicidades.", deseja Frei Betto, escritor e autor de "Um homem chamado Jesus" (Rocco), entre outros livros, em seus votos de natal.

Feliz Natal a quem cultiva ninhos de pássaros no beiral da utopia e coleciona no espírito as aquarelas do arco-íris. E a todos que trafegam pelas vias interiores e não temem as curvas abissais da oração.


Feliz Natal aos que reverenciam o silêncio como matéria-prima do amor e arrancam das cordas da dor melódicas esperanças. Também aos que se recostam em leitos de hortênsias e bordam, com os delicados fios dos sentimentos, alfombras de ternura.


Feliz Natal aos que trazem às costas aljavas repletas de relâmpagos, aspiram o perfume da rosa dos ventos e levam no peito a saudade do futuro. Também aos que semeiam indignações, mergulham todas as manhãs nas fontes da verdade e no labirinto da vida identificam a porta que os sentidos não veem e a razão não alcança.


Feliz Natal aos que dançam embalados pelos próprios sonhos e nunca dizem sim às artimanhas do desejo. Aos que ignoram o alfabeto da vingança e jamais pisam na armadilha do desamor, pois sabem que o ódio destrói primeiro a quem odeia.


Feliz Natal a quem acorda, todas as manhãs, a criança adormecida em si. E aos artífices da alegria que no calor da dúvida dão linha à manivela da fé.


Feliz Natal a quem recolhe cacos de mágoas pelas ruas a fim de atirá-los no lixo do olvido e guardam recatados os seus olhos no recanto da sobriedade. A quem, diante do espelho, descobre-se belo na face do próximo.


Feliz Natal a todos que pulam corda com a linha do horizonte e riem à sobeja dos que apregoam o fim da história. E aos que suprimem a letra erre do verbo armar e se recusam a ser reféns do pessimismo.


Feliz Natal aos que fazem do estrume adubo de seu canteiro de lírios. Também aos poetas sem poemas, aos músicos sem melodias, aos pintores sem cores e aos escritores sem palavras. E a todos que jamais encontraram a pessoa a quem declarar todo o amor que os fecunda em gravidez inefável.


Feliz Natal aos ébrios de transcendência e aos filhos da misericórdia que dormem acobertados pela compaixão. E a quem não se deixa seduzir pelo perfume das alturas e nem escala os picos em que os abutres chocam ovos.


Feliz Natal a quem, no leito de núpcias, promove despudorada liturgia eucarística e transubstancia o corpo em copo para inundá-lo do vinho embriagador da perda de si no outro. E a quem corrige o equívoco do poeta e sabe que o amor não é eterno enquanto dura, mas dura enquanto é terno.


Feliz Natal aos que repartem Deus em fatias de pão e convocam os famélicos à mesa feita com as tábuas da justiça e coberta com a toalha bordada de cumplicidades.


Feliz Natal aos que secam lágrimas no consolo da fé e plantam no chão da vida as sementes do porvir. E aos que criam hipocampos em aquários de mistério e se embebedam de chocolate na esbórnia pascal da lucidez crítica. E a todos que, com o rosto lavado das maquiagens de Narciso, dobram os joelhos à dignidade dos carvoeiros.

Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/615517-cartao-de-natal-2, acesso em 22/12/2021.

 

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