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Só sei que nada sei

 Um dos prazeres que ainda me dou é o da leitura. Orgulha-me ter lido muito, ensinamento herdado de meu pai, que tentei passar também para meus filhos e que a minha netinha já assimilou, ela gosta muito de ler.

Há algum tempo adquiri um exemplar do livro História Geral da Filosofia do autor Hans Joachim Störig, que foi professor na Universidade de Munique, escrito e editado originalmente em 1950, e cuja 17 a. edição de 1999, que traz uma minuciosa revisão/atualização realizada pelo autor, foi traduzida e publicada em 2008 pela Editora Vozes, de Petrópolis, RJ.

No livro o autor sintetiza com uma clareza e objetividade sem igual, a complexa tarefa de conhecer e refletir sobre as questões filosóficas e as suas decorrências teóricas.

Propõe-se a apresentar o saber filosófico acumulado até os nossos dias, iniciando pela sabedoria do Antigo Oriente, Índia e China antigas, passando para a filosofia da Grécia, depois da Idade Média, da Renascença e do Barroco, até o Iluminismo, para então relatar a filosofia do século XIX e a efervescência do pensamento filosófico do Século XX, até a atualidade.

Mas o que me chamou a atenção, e me fez ter a vontade de continuar a ler a obra, é que na Introdução, como esclarecimento maior, o autor apresenta quatro observações autocríticas, que por si, já bastariam para justificar a leitura do livro, as quais faço questão de compartilhar com vocês:

1 - A filosofia como tentativa do ser humano de resolver por meio do pensamento os enigmas da sua existência é mais antiga do que todos os testemunhos escritos que possuímos, que remontam há aproximadamente 3.000 anos. Bem antes desse tempo e da história que é conhecida, aconteceram alguns eventos importantíssimos, dos quais pouco ou quase nada se conhece, dentre os quais o autor destaca: "[...] ao adotar o caminhar em posição ereta e liberar as mãos, no obter e dominar o fogo, ao utilizar sistematicamente as ferramentas mais simples"(STORIG, 2008, p.9), como extensão das suas habilidades, poder e força, enfim a diferenciação no reino animal, no processo contínuo de tornar o ser humano realmente humano, e aí vem o primeiro conceito fundamental para entendermos a filosofia, o início da linguagem e do pensamento. O autor afirma, com o que concordamos, que é impossível dissociar as duas coisas, tendo em vista a sua ligação tão íntima, haja vista que "[...] é na linguagem que conseguimos os conceitos como instrumentos do pensamento".(STORIG, 2008, p.9) Em suma, anteriormente ao que se conhece, existiu um processo evolutivo do pensamento humano, embora não registrado, assim é importante que o leitor atente para o fato: "[...] de que é muito diminuto o que conhecemos da evolução do gênero humano e esse por sua vez, é muito pequeno considerando-se a vida sobre a Terra, e esta dentro da evolução toda de nosso planeta, e esta dentro do universo inteiro"."(STORIG, 2008, p.10)

2 - Se conhecemos os ensaios do pensar só de certo período, dentro deste, por sua vez, só temos acesso aos pensamentos que foram pronunciados e anotados, seja pelos próprios pensadores, seja por seus discípulos, seja, como infelizmente não raro aconteceu, por seus opositores. Não quero afirmar que com isto sempre nos foi transmitido o melhor, o mais valioso e o mais profundo.

3 - A tentativa de compreender o passado tropeça quase sempre em obstáculos. Nas relações longe de nós e alheias a nós só podemos imaginar-nos de forma imperfeita. As obras de filosofia estão na maior parte dos casos quando escritas numa linguagem como, por exemplo, o chinês, inteiramente diferente da nossa em sua estrutura, na maneira de ver e associar as coisas?
A arte de compreender e explicar, a hermenêutica (originalmente referida apenas aos textos bíblicos e clássicos da Antiguidade, depois ampliada para todas as produções intelectuais) tem na filosofia e em sua história um papel central, pode estar até em seu ponto central.

4 - As obras dos filósofos, sem contar comentários e exposições ou tentativas de refutação dos professores de filosofia, enchem salas enormes de grande bibliotecas. Uma apresentação científica da história da filosofia, que se qualifica modestamente de compêndio, enche uma estante toda. E está redigida numa linguagem muito condensada, só compreensível aos entendidos.
É preciso realizar uma seleção entre os inúmeros escritos filosóficos, levando-se em consideração, de um lado, se a escolha feita é adequada a uma obra introdutória desse gênero e, por outro, o esforço de não ocultar ao leitor nada que o critério dos entendidos julga ser de importância fundamental, desconsiderando as preferências particulares do autor.

Tentando resumir, as quatro observações autocríticas, buscamos entender a sua profundidade filosófica, só conhecemos o pensamento filosófico que nos foi passado por alguém, que repassou o que bem entendeu, após a difusão da linguagem escrita, anteriormente, pouco ou nada se sabe; nada nos garante que esses ensinamentos são os melhores ou os mais importantes da sua época, só sabemos que foram mais difundidos; embora a existência de linguistas e decifradores, não conseguimos contextualizar exatamente a época em que foram escritos, em função das dificuldades de tradução, por último, alguém definiu o que seria importante sabermos, de forma a desagradar o mínimo possível os "entendidos".

Resumindo em apenas uma frase: "Só sei que nada sei". Muito obrigado, Sócrates!

 

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