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O Capitalismo e os Direitos Sociais


Os direitos sociais têm por objetivo permitir que as pessoas disponham de serviços públicos em condições de igualdade, possibilitando uma vida digna e com qualidade, devem ser universalizados para o conjunto da população e garantidos pelo estado de direito. Dessa forma, são todos os direitos fundamentais e garantias básicas que devem ser compartilhadas por todos os seres humanos, independentemente de orientação sexual, gênero, etnia, religião, classe econômica e de renda etc. 


Buscam, grosso modo, resolver as situações que caracterizam desigualdades sociais. Foram conquistados ao longo do tempo graças as reivindicações e de muitas lutas dos movimentos sociais, e surgiram na Europa nos séculos XVIII e XIX, com o desenvolvimento do capitalismo, por ocasião das revoluções industriais.


Atualmente, estão previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) ambos proclamados pela Organização das Nações Unidas (ONU), e na constituição de vários países membros, inclusive o Brasil, na Constituição Federal de 1988. Entretanto, se deve afirmar que todos os acontecimentos políticos e econômicos interferem diretamente na disponibilização dos direitos sociais para a sociedade, haja vista interferirem diretamente nas políticas públicas implementadas por governos segundo o seu perfil ideológico e dessa forma, se ampliam ou diminuem conforme o momento conjuntural que se vivencia.   

Segundo os historiadores, a Revolução Industrial mudou a história humana, marcando transição da economia feudal para o capitalismo industrial. Iniciada na Inglaterra em meados do século XVIII, a produção de mercadorias ganhou escala, aumentando também os lucros, o que atraiu a atenção dos capitalistas que passaram a investir nas indústrias. Isso fez com que as fábricas se instalassem em várias cidade, propiciando enormes mudanças na estrutura social da época. O desenvolvimento industrial e a maior rapidez da produção com a utilização de máquinas gerou forte desemprego, que espalhou a miséria, tanto entre os proletários quanto entre os artesãos, criando uma exército de reserva para o trabalho fabril. Isso obrigava os trabalhadores empregados a jornadas de trabalho abusivas, achatamento de salários, exploração do trabalhos das mulheres e do trabalho infantil, insalubridade e falta de segurança.

Assim nasceu a nova classe social: o proletariado, que ao reivindicar da burguesia melhores salários e condições de vida, estabelece o conflito que Marx e Engels denominaram “luta de classes”, expresso no Manifesto Comunista.

A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes. (MARX, 1848, p.7)

[...] Entretanto, a nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se por ter simplificado os antagonismos de classe. A sociedade divide-se cada vez mais em dois vastos campos opostos, em duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado. (MARX, 1848, p.8)

Dessa forma, a classe Burguesa compõe-se dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção social e empregadores do trabalho assalariado; em contrapartida ao Proletariado, formada pelo operários assalariados modernos que, não possuindo meios próprios de produção, precisam vender a força de trabalho para obter o seu sustento e de suas famílias. Uma vez constatado que individualmente seria muito difícil aos trabalhadores conquistar as suas reivindicações inicia-se a organização em associações de caráter mutualista e sindicatos de trabalhadores, os “trade unions”, buscando ter maior força na luta contra a exploração capitalista e resistência contra a redução de salários, a ampliação de jornadas de trabalho e a exploração desmedida. A livre associação foi aprovada na Inglaterra e os sindicatos obtiveram o reconhecimento público, com funções de regulação, fiscalização e legislação social, e, rapidamente a organização sindical se espalhou pelo mundo, buscando a unidade dos trabalhadores de diversos setores, a inserção de direitos nas legislações e o reconhecimento do direito de greve e paralisações.

As revoluções industriais são eventos que marcam avanços tecnológicos e a consolidação do capitalismo, mas, também o surgimento dos primeiros direitos dos cidadãos. Ao mesmo tempo, a utilização das máquinas gerava grave desemprego e um grande número de indivíduos vivendo na miséria, forçando o Estado a intervir e proporcionar proteção mínima aos trabalhadores, garantindo-lhes a integração ao sistema.


Assim, os direitos sociais foram ganhando força na sociedade e gradativamente sendo incorporados na legislação de em diversos países, como o México em 1917, com a “Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos” de 1917 e a Alemanha com a Constituição de Weimar em 1919.


Em 1944, a Conferência da Organização Mundial do Trabalho (OIT) aprovou uma declaração que dava dá ênfase à dignidade do ser humano, posta a prova durante as duas Guerras Mundiais.


(...) Em 1944, os delegados da Conferência Internacional do Trabalho adotaram a Declaração de Filadélfia que, como anexo à Constituição da OIT, até hoje constitui a carta de princípios e objetivos da Organização, além de ter servido como referência para a adoção da Carta das Nações Unidas (1946) e da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).(OIT Brasil)


A Declaração de Filadélfia teve o mérito de reafirmar o princípio de que a paz permanente se baseia na justiça social, estabelecendo os princípios básicos da OIT até os nossos dias: (...) “que o trabalho deve ser fonte de dignidade; que o trabalho não é uma mercadoria; que a pobreza é uma ameaça à prosperidade de todos; e que todos os seres humanos tem o direito de buscar o seu bem estar material em condições de liberdade e dignidade, segurança econômica e igualdade de oportunidades”.(OIT BRASIL)

Cabe destacar o papel das Conferências de Bretton Woods que foram decisivas para fundamentar a estabilização da economia após a II Guerra Mundial. Lançaram as bases econômicas do que os historiadores identificam como os “anos dourados” do capitalismo e determinaram o fim do imperialismo britânico e o início do imperialismo norte-americano. Propuseram a criação do FMI que promoveria empréstimos para países em dificuldades financeiras e do BIRD que depois se transformou no Banco Mundial.

Com o final da II Guerra Mundial, os EUA assumiram a hegemonia da economia mundial e tornaram-se modelo de prosperidade, propagandeando o “american way life” como o padrão social a ser atingido e, dada a necessidade da reconstrução da Europa, destruída durante o conflito, os EUA executaram o Plano Marshall, que destinava-se a recuperação da economia dos países aliados. Mas, ao mesmo tempo visava conter o avanço da URSS no Leste Europeu após o exército vermelho ter vencido os nazistas na Batalha de Stalingrado em 1943, que foi determinante para o fim da II Guerra.

Os princípios fundantes da construção do “estado de bem estar social” foram: incluir as pessoas como contraponto ao socialismo, mas com a manutenção da acumulação capitalista sob controle; buscar a construção do pacto social com avanços institucionais e coalizões políticas para garantir os avanços sociais; e consenso keynesiano - intervenção do estado para assegurar o pleno emprego e melhores condições de emprego e renda..

É importante esclarecer que foram notórias as diferenças entre os países, com níveis de proteção social dependentes do nível do capitalismo e da intervenção do estado, por exemplo nos EUA foi limitado atendendo a partir da pobreza instalada, não apresentava a  universalização.

Na Europa Ocidental - Alemanha e França -, era meritocrático/particularista atuando para corrigir ações do mercado, buscava a manutenção do status quo, mais amplo, porém com baixa distribuição de renda, dependente da condição social do indivíduo - quem recebia melhores salários, quando precisava, recebia uma ajuda maior) – e também não tinha caráter universalista.

Já o modelo nórdico apresentava características redistributivas, com orientação social-democrata, foi o que mais se proteção ofereceu, era universalizado, com distribuição paritária de renda e previa a participação de partidos e sindicatos nas definições de políticas públicas através dos conselhos.

Nos países Latino-americanos, de capitalismo periférico, foram, quando existiram mais próximos do modelo particularista, baseados na estratificação ocupacional da sociedade, mais pontuais e menos universais, focalizados no atendimento as situações de extrema pobreza.

Assim, o mundo se polarizou entre EUA e URSS, e as suas áreas de influência, criando o que se chamou de “guerra fria”. Dessa forma, pelo aporte de vultosos recursos ou pelo incentivo do bloco socialista aos movimentos operários no ocidente, foi possível a implantação do “estado de bem estar social”, estabelecendo medidas de proteção social nos países europeus.

Na década de 60 surgiu o movimento feminista - “women’s lib”-, e o movimento pelos direitos civis dos negros norte-americanos, “black power”.

A década de 1970 se inicia a crise dos estados de bem estar social, em função das crises econômicas, que resultam na ascensão do pensamento neoliberal, pregando o estado mínimo para os aspectos sociais e a total desregulamentação financeira. No ano de 1979, a Europa se encontrava em um período de turbulência social e na Inglaterra assumiu o poder Margareth Thatcher, que promoveu um programa de privatizações das empresas estatais e combateu radicalmente os movimentos sindicais trabalhistas, tornando-se uma das precursoras do neoliberalismo.

Da crise herdada dos anos 70, emerge a década de 80 com reformas liberalizantes, mudanças nos paradigmas de produção, redução da proteção social e do alcance das políticas públicas que atingem diretamente o estado de bem estar social. Como característica principal temos então a proeminência do capital financeiro e as ideias de menor intervenção do estado, privatizações de empresas estatais, conformidade com o pensamento neoliberal de Hayek, Mises e Friedman.

O ano de 1989 marca a Queda do Muro de Berlim e logo a seguir em 1991 Gorbachev assume a URSS e distensiona a relação com os EUA, o que diminui a ameaça socialista e a Guerra Fria e se amplia o pensamento neoliberal, situação que permanece até os dias atuais.

No Brasil, os Direitos Sociais são garantias constantes na Constituição Federal de 1988 e são expressos em dois títulos:  nos direitos e garantias fundamentais - o estado deve garantir a  seus indivíduos; e a ordem socialnecessários para estabelecer uma sociedade capaz de perpetuar-se ao longo do tempo de maneira harmônica. Tem as políticas públicas mais abrangentes da América Latina, e são de origem contratualista, ligadas as relações trabalhistas e seletivas em termos de beneficiários, por exemplo o Bolsa Família, heterogêneas nos benefícios e fragmentadas institucional e financeiramente, por exemplo a educação que conta com recursos das três esferas de poder.

Apresenta a importante universalização do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que, embora tenha problemas de financiamento, com pouco investimento líquido per capita são modelos para o resto do mundo.


Aparecem no Art. 6º, os direitos sociais que a nação compromete-se a garantir a todos os cidadãos e cidadãs, quais sejam, o direito à educação, à saúde,  à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, a previdência social, proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.


No direito ao trabalho estão previstas  normas que amparam e humanizam os trabalhos como: 13° Salário, FGTS, seguro-desemprego, vale transporte, abono salarial, aviso prévio, adicional noturno etc.

Educação ocupa um lugar de destaque nos rol dos direitos humanos/sociais por ser essencial, assim como a Segurança e a Saúde no resguardo do bem-estar físico, mental e consequentemente social.


Apesar da comprovada importância dos direitos sociais fica evidente que não são universalizados. 


O nível de desemprego é preocupante não só no Brasil, mas no mundo, além dos trabalhadores informais – sem carteira assinada e os subempregados. Da população economicamente ativa no Brasil gira em torno de 79 milhões de pessoas, segundo o IBGE, em torno de 30% têm emprego formal. Assim, aproximadamente 57 milhões de homens e mulheres desta população ativa estão sem carteira de trabalho, vivendo de atividades informais e sem contar com seus direitos sociais.


A educação é outro tema problemático, apesar de todos os compromissos internacionais que o Brasil é signatário e nacionais como a Constituição Federal, especialmente com a educação básica de qualidade, milhões de crianças ainda permanecem fora das escolas, muitas delas devido à pobreza extrema.

Da mesma forma a questão do caos na saúde pública evidenciada pela pandemia da covid-19, mostra que a prestação de serviços de qualidade e com eficiência e assistência ao cidadão por parte do Estado brasileiro são muito insuficientes.


BIBLIOGRAFIA

MARX, Karl. Parte I - Burgueses e Proletários. In - Manifesto do Partido Comunista-1848.

DIREITOS SOCIAIS. Disponível em: https://www.significados.com.br/direitos-sociais/.

Acesso em 16/05/2020.

HISTÓRIA DA OIT. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/conheca-a-oit/hist%C3%B3ria/lang--pt/index.htm. Acesso em 24/05/2020.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 24/05/2020.

BRASIL. POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9183-pesquisa-mensal-de-emprego-antiga-metodologia.html?=&t=o-que-e. Acesso em 25/05/2020.


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