O presente artigo objetiva apresentar os impasses da democracia representativa no século XXI, contextualizando na história e na análise da conjuntura política contemporânea.
Diariamente,
embora com a pandemia da covid-19 sumiram das manchetes, se via na imprensa manifestações
populares contra ações de governos “democráticos” ao redor do mundo.
A democracia surgiu na Grécia Antiga, mais
precisamente em Atenas, por volta do século V a. C. A palavra se
origina nos termos dêmos (povo) e kratía (poder), que
significa o poder do povo. Tinha o objetivo de criar um regime político que não
fosse autoritário e tirânico. Para o regramento das relações sociais e
políticas foi elaborada uma constituição que previa que as deliberações referentes
à vida dos atenienses seriam tomadas em assembleias (eclésias) com a
participação direta do povo. Entretanto excluía mulheres, escravos, crianças e
os estrangeiros dessa participação. Percebe-se que, embora alijasse parcela
significativa da sociedade, propunha o protagonismo amplo da população e o
exercício direto da democracia.
Os romanos foram os responsáveis por definir a democracia como res publica, (coisa pública), como algo inerente aos membros da população (populus romanus), objetivando o bem comum, no usufruto da coisa pública.
Na Suécia, no século XV, foi criado um parlamento que dava aos representantes do povo, da burguesia, do clero e da nobreza, poderes para representar essas parcelas da sociedade.
No século XVII, para limitar o poder absolutista, a Europa experimentou uma série de experiências de separação dos poderes, dando origem à ideia de democracia representativa.
Assim, se pode definir democracia representativa, como a delegação do poder de decisão popular para algumas pessoas que decidirão por seus representados. Propicia a viabilidade da participação política e democrática em sociedades complexas e com grandes contingentes populacionais. Há de se pensar na impossibilidade de reunir todos os habitantes de um país, ou boa parte deles, em uma assembleia, como na Grécia Antiga.
É importante entender que a democracia representativa está em um processo de evolução desde o século XIX, tendo se consolidado no século XX, a partir do relativo sucesso nos países onde havia sido implementada. Com o passar do tempo, tornou-se fundamental para a legitimação do Estado, na construção e consolidação de direitos, e para a formulação e execução de políticas públicas inclusivas.
Na teoria política moderna, originou-se na vertente contratualista, a partir de pensadores como Rousseau - Revolução Francesa e Locke - Liberalismo Inglês, embora cada um enfatizasse pontos de vista diferentes. Rousseau privilegiava a participação direta dos cidadãos e Locke a representação indireta. A rigor, o pensamento de ambos permanece atual, haja vista que na democracia representativa, é através do voto universal – onde todos tem o direito de votar -, que os cidadãos escolhem quem vai representá-los nos poderes de governo.
Assim, o voto do conjunto da população os encarrega de gerir a res publica, por meio da proposição de políticas públicas, para executar obras e estabelecer as leis. Porém, ao juntar as duas teorias, das tradições políticas liberais e das democráticas, originando o liberalismo democrático ou a democracia liberal, limitou-se a ação, não conseguindo mais atender as demandas populares e nem resolver os complexos problemas da realidade social. Essas limitações demonstram que, sim, a democracia representativa está em crise.
Em parte, isso se deve à globalização mundial e a economia financeirizada que enfraqueceram o poder dos Estados. Também a sociedade buscou se organizar melhor em torno de pautas identitárias e movimentos sociais, que cobram de maneira mais efetiva os seus representantes, o que escancara o distanciamento desses e permite desvendar a necessidade de maior interação entre representantes e representados. Isso nos leva aos problemas da democracia representativa, motivos da percepção de crise:
- A falta do sentimento de representação, que inicia quando o cidadão se sente iludido pelo escolhido, identifica o abandono das propostas de campanha, não legisla como prometeu e por fim, não age da forma que convenceu o eleitor a votar. Demonstra estar preocupado somente em manter-se no cargo. Aliado ao sentimento do eleitor não se sentir representado, ocorre a perda da credibilidade do representante e como decorrência da classe política;
- A corrupção, é um dos principais problemas do modelo. O alto custo das campanhas, cria a necessidade de patrocinadores. Mesmo com o financiamento público de campanhas, existem pessoas físicas e jurídicas dispostas a financiar o candidato que defenda as suas demandas, surge assim o caixa 2. Com o patrocínio surgem as retribuições, o que ocasiona a formação de bancadas temáticas exclusivas, especialistas no tráfico de influências, com expectativa de ganho econômico para ambas as partes;
- A falta de ideologia dos partidos políticos, a democracia representativa necessita de partidos políticos fortes, organizando pessoas com o mesmo alinhamento ideológico, para construção de um projeto político. Entretanto o que se vê são ajuntamentos circunstanciais de pessoas de ampla diversidade ideológica, com finalidade meramente eleitoral;
- A impossibilidade de participação, a contradição da democracia representativa é a necessidade da intermediação entre o cidadão e o poder. O representante torna-se um despachante. Assim, a participação do eleitor fica restrita ao voto, sem possibilidade de acompanhamento e avaliação dos eleitos. Embora previstos, os mecanismos de exercício direto de poder com consultas à população por meio de plebiscitos e referendos, são raros;
- O nepotismo, geralmente as famílias tradicionais – formada pelos descendentes dos colonizadores portugueses e seus compadres, tem um poder eleitoral enorme. Elegem os seus representantes e mantém o poder passando consanguineamente os mandatos, dificultando a renovação para fora do núcleo familiar, a ampliação dos debates públicos e por fim a diversidade de opinião nos parlamentos;
- As fake news, fazem com que os eleitos criem um mundo paralelo e se comuniquem diretamente com os seus representados, fazendo com que desacreditem nas instituições e descaracterizando os adversários políticos, esse é um mal maior da atualidade.
Objetivando resolver a crise instalada, é necessário trazer para a ordem do dia as lições colocadas por Maquiavel em “ O Príncipe”. A virtú que o governante deve ter para manter e a fortuna, que lhe permitiu conquistar o poder. Um bom governante é aquele que utiliza a fortuna e a virtù de forma equilibrada e virtuosa, desenvolvendo pedagogicamente as virtudes do povo. Isso expressa as mais importantes contradições filosóficas da política, para os representantes conservar o poder e para os representados controlá-lo.
Assim, aceita a ideia de que a democracia representativa é a forma de governo que permite a população exercer o poder – mesmo que indiretamente, pelos representantes eleitos – e, ao mesmo tempo controlar por mecanismos de transparência, é necessário dotar a sociedade desses meios, para aumentar a participação dos cidadãos.
Urge se entender a democracia representativa; não basta votar em eleições livres, garantir a existência de oposição, ter liberdade de imprensa etc. Esses são conceitos elementares da democracia, é necessário incentivar a sociedade a organizar-se, reivindicando maiores espaços e buscando avançar nas demandas por garantias, direitos, igualdade, justiça etc. Sair da abstração conceitual à constituição prática, a partir de maior participação popular, de mecanismos de controle e com respeito às minorias.
Por certo, a
democracia representativa ainda tem que ser aperfeiçoada, mas tem o imperativo de
acompanhar a vontade e o estágio evolutivo da sociedade onde se instala.
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