O presente artigo descreve a transformação
da
administração pública brasileira, no tocante aos modelos de gestão, - Patrimonialista,
Burocrático e Gerencial -, caracterizando a racionalidade e a eficiência de
cada um, avaliando a qualidade dos serviços prestados ao cidadão. Utilizou-se a
pesquisa primária para estabelecer os fatos marcantes da história, onde
efetivamente se experimentou mudanças no trato da “coisa pública” e os métodos utilizados.
Se pretende avaliar a metodologia aplicada à organização do serviço
público e verificar o atingimento da eficiência da máquina pública.
A estruturação da administração pública brasileira
inicia em 1822 na Independência do Brasil, com dois objetivos igualmente
importantes; as relações exteriores, visando obter o reconhecimento
internacional do Império do Brasil e, internamente, para salvaguardar a unidade
territorial nacional. Foi normatizada na Constituição Imperial de 1824, com características
patrimonialistas e personalistas. Os poderes Executivo e Moderador, eram exercidos
direta ou indiretamente pelo Imperador Dom Pedro I. Isso atribuía-lhe, também, a
interferência legal no poder Judiciário, haja vista as suas atribuições, que
incluíam nomear os magistrados. Quanto ao poder Legislativo,
foi prevista a eleição de Deputados e Senadores vitalícios, entretanto, com
pouca autonomia e dependentes do Imperador: [...] O Poder
Legislativo é delegado à Assembleia Geral com a sanção do Imperador.
Essas prerrogativas traziam a
possibilidade concreta de nepotismo, troca de favores e clientelismo, entre o
Imperador e os seus favorecidos, sem preocupação com a sociedade em formação e
com o povo brasileiro. As instituições do Estado funcionavam como extensão do
poder do Imperador, as nomeações de servidores públicos e a utilização dos
recursos atendiam os seus interesses particulares, apresentando pouca ou
nenhuma preocupação com a prestação do serviço público de qualidade para a
sociedade.
A administração pública brasileira voltou a ser objeto de discussão com a Proclamação da República, em 1889, grosso modo, como consequência da alteração do regime de governo, e foi normatizada na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Reduziram-se algumas práticas patrimonialistas, outras tiveram continuidade. Politicamente, existia uma demanda muito grande pela descentralização do poder. Conforme os ideais republicanos ganhavam força, a busca pela distribuição do poder nas várias esferas de governo, também se fortalecia, assim aconteciam mudanças significativas no Brasil, na forma republicana representativa, presidencialismo e o federalismo. O federalismo se caracteriza pela união de todos os entes que formam uma nação, que, contudo, mantêm a sua autonomia política.
Essa autonomia e descentralização política atendeu a demanda de grupos regionais da política brasileira, mas acabou gerando a prática patrimonialista típica do nosso país, do poder dos grandes proprietários rurais: o coronelismo. Do coronelismo surge o clientelismo, ou seja, a relação simbiótica estabelecida entre os coronéis e os eleitores, onde os primeiros tornavam-se protetores destes que retribuíam os favores com o voto em quem eles indicassem. Com o surgimento do poder Legislativo Estadual e o fim do voto censitário ou por renda, todo cidadão alfabetizado era eleitor, e como o voto era aberto, não tinha escapatória, dando origem a expressão popular “voto de cabresto”.
A
implantação do federalismo, apesar da descentralização do poder, contribuiu para
que o Brasil, experimentasse o domínio das oligarquias regionais,
sobretudo, dos grandes proprietários rurais de São Paulo e Minas Gerais, que
faziam a política de acordo com seus próprios interesses, o que a história
denomina de política “café com leite”.
Na organização da administração pública federal, foram estabelecidos os três poderes, Executivo, Legislativo bicameral com Deputados e Senadores eleitos, e o Judiciário; e extinto o poder Moderador. Da mesma forma , os constituintes preocuparam-se em dar orientações sobre o provimento dos cargos públicos, criando a categoria do funcionalismo público. É importante destacar a criação do Tribunal de Contas [...] É instituído um Tribunal de Contas para liquidar as contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso.
Assim, se a transparência nas contas públicas emerge como preocupação dos constituintes, o mesmo não ocorre com a prestação do serviço público de qualidade para a sociedade. O modelo patrimonialista de gestão pública no Brasil, vigorou até a década de 1930, no final da República Velha sendo aos poucos substituído pela gestão burocrática, com a chegada de Getúlio Vargas ao poder.
É importante ressaltar
que segundo BRESSER-PEREIRA, 2009 [...] “a reforma burocrática brasileira, que
tivera como precursor o embaixador Maurício Nabuco, ao reformar o Ministério
das Relações Exteriores ainda no final dos anos 20, inicia-se de fato em 1936,
sob a liderança de Getúlio Vargas e de seu delegado para essa matéria, Luiz
Simões Lopes.”
A burocracia weberiana tem a sua
legitimidade na dominação racional-legal, assim, em seu tipo ideal, como
características: as normas escritas – formais, que definem as relações de mando
e subordinação; a impessoalidade – os cargos e funções são vitalícios, mas os
ocupantes transitórios; e, a administração profissional – que separa a
propriedade e a gestão.
O contexto histórico da década de 30 era de descrédito da democracia liberal e de ascensão de regimes totalitários como: o nazismo na Alemanha, o fascismo na Itália, o stalinismo na URSS, Franquismo na Espanha, Salazarismo em Portugal, dentre outros. Assim nasce também o Estado Novo, declarado por Getúlio Vargas em 1937, que dissolveu o Congresso Nacional, outorgou nova Constituição e impôs um regime ditatorial com inspiração fascista no Brasil. Apesar do autoritarismo, da censura - criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) para controlar a imprensa -, e centralização do poder - cabia ao presidente nomear interventores nos governos estaduais -, o governo Vargas priorizou investimentos em infraestrutura industrial – criou a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN, hoje Vale do Rio Doce), o Conselho Nacional do Petróleo (CNP) embrião da Petrobras, Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF) e da Fábrica Nacional de Motores (FNM).
Em se tratando da gestão pública, a mudança é significativa, com a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) em 1938. O DASP tinha o objetivo de implementar na administração pública brasileira os princípios da gestão burocrática. Destacam-se, positivamente, a profissionalização dos serviços prestados, o ingresso dos funcionários por meio de concursos públicos e a substituição de critérios políticos por critérios técnicos na gestão.
A diferenciação e segregação entre o patrimônio público e o privado, tinha
o objetivo de privilegiar os interesses da sociedade e blindar patrimônio
contra a corrupção, clientelismo e interesses particulares. Entretanto, o
modelo burocrático, pelo formalismo exagerado e preocupação excessiva com
controles, tornou a máquina pública lenta e ineficiente, caracterizando as
disfunções burocráticas. Outro aspecto do modelo burocrático na
administração pública que surgiu nesse período foi o corporativismo.
O modelo burocrático teve
vida curta, haja vista não ter acabado com o patrimonialismo e tão pouco
atingido a qualidade do serviço público, sendo substituído por um novo modelo
de gestão pública – o modelo gerencial. BRESSER-PEREIRA, ao analisar as mudanças na administração pública,
afirma:
Nesse sentido,
entendo que existem apenas duas verdadeiras reformas administrativas na
história do capitalismo: a reforma burocrática e a reforma do serviço civil. A
primeira marca a transição para a dominação racional-legal de que nos fala
Weber, representando um momento Fundamental do processo histórico de racionalização
burocrática. Através dela instala-se uma administração profissional,
estabelecendo-se instituições e políticas públicas próprias da administração pública
burocrática. A segunda, por sua vez, partindo da existência de um serviço
civil, desenvolve um conjunto de instituições e de princípios que viabilizam e dão
origem à administração pública gerencial.(BRESSER PEREIRA, 2000, Pag. 12)
Por certo as organizações modernas para manter
a competitividade têm que adotar novos modelos de gestão, isso acontece também
da administração pública. Com esse objetivo, durante a Ditadura Militar, foi
editado o Decreto Lei nº 200/1967, que objetivava solucionar a centralização
excessiva da administração, a ausência de coordenação nas ações do governo e a
rigidez da burocracia federal, e definidos os princípios fundamentais da
administração federal: Planejamento,
Coordenação, Descentralização, Delegação de Competência e Controle.
Na administração indireta foi ampliado o número de Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista, fundações públicas e autarquias, vinculadas aos ministérios conforme as suas atividades principais. Isso acabou ocasionando a criação excessiva de empresas estatais e outras organizações descentralizadas, que resultou num sistema complexo, com alta fragmentação e problemas de controle.
Já na Administração
Direta, houve uma limitação no número de ministérios em 16. Nos procedimentos
administrativos internos, estabeleceu regras para a aquisição direta de
bens e serviços; ampliou o sistema de mérito e estipulou as diretrizes
do plano de classificação de cargos do funcionalismo público.
Entretanto as crescentes demandas sociais, somadas à gestão administrativa e econômica deficientes, gerou descontrole fiscal, níveis altos de inflação, generalizado desemprego e a recessão. Isso e os problemas econômicos mundiais ocasionados na década de 70 pelos choques do petróleo, fizeram com que a reforma administrativa proposta pelo DL 200/1967 não fosse implementada na sua totalidade.
Contudo, deixou a marca da proliferação de entidades de natureza autárquica, fundacional ou empresarial, que serviram para o provimento de cargos públicos sem concurso público e sem critérios transparentes de gestão, aproximando essas entidades do modelo de gestão patrimonialista, com finalidades políticas ou clientelistas totalmente dissociadas de seus objetivos, e dessa forma, com pouca eficiência na prestação dos serviços públicos ao conjunto da sociedade. Mesmo assim, foi a primeira experiência da administração pública brasileira com o método gerencial.
No final da década de 70 foi criado
o Ministério Extraordinário de Desburocratização, que, com o programa Nacional
de Desburocratização (PrND) buscou direcionar as atividades da administração
pública para o atendimento das demandas dos cidadãos com níveis de qualidade
aceitáveis e eficiência. Propôs a simplificação de procedimentos; eliminação de
informações desnecessárias; desestatização, por meio de privatizações –
transferindo para a iniciativa privada as atividades e serviços não essenciais -;
e, o governo como fomentador do desenvolvimento nacional.
Assim, as diversas reformas administrativas
propostas pelos governos em cada contexto temporal e político evoluíram, pelos
modelos de administração pública sem, contudo, abandonar completamente práticas
anteriores. A adesão do país à administração pública gerencial, que buscava
reduzir custos e aumentar a qualidade dos serviços prestados ao cidadão e o
distanciamento das práticas e modelos anteriores permitiu o desenvolvimento do
método gerencial nas organizações públicas, baseadas nas propostas neoliberais
de Thatcher no Reino Unido e Reagan dos EUA.
Em 1995 foi lançado o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado – PDRAE, buscando a modernização da gestão pública e a consolidação da
reforma gerencial.
A reforma
gerencial do Estado de 1995 faz distinção entre as atividades exclusivas do
Estado e as atividades sociais e científicas: o Estado deve executar
formalmente as primeiras, enquanto financia as outras, que devem ser executadas
por organizações públicas não-estatais. Entre as atividades estatais, a reforma
de 1995 distingue, adicionalmente, o núcleo estratégico, onde as decisões são
tomadas, das agências executivas e reguladoras, que devem ser mais autônomas do
que em sistemas burocráticos clássicos e prestar mais contas. Os princípios
básicos da reforma, consistentes com a nova administração pública, foram
definidos no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, de 1995, e na emenda
constitucional que veio a ser chamada de “reforma administrativa”. A emenda e a
maioria das instituições exigidas pela reforma estavam aprovadas em 1998. Este
resultado positivo foi possível, a despeito da forte rejeição inicial, devido
ao debate nacional que levantou, o qual terminou em grande aprovação pela
opinião pública e pela alta burocracia. Agora a reforma está sendo gradualmente
(e frouxamente) implementada nos níveis federal, estadual e municipal.(BRESSER
PEREIRA, 2000, Pag. 7)
A magnitude
da reforma objetivava a gestão pública de qualidade, moderna e eficiente,
direcionada a satisfação das demandas dos cidadãos, exigência do novo Estado
democrático que emergiu da Constituição federal de 1988. Os reflexos da
implantação do modelo gerencial gestão
pública brasileira que podem ser sentidos até os nosso dias: diminuição dos resquícios
dos modelos patrimonialista e burocráticos; a busca pela eficiência, que junto
com legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade são princípios da
administração pública e a participação popular na gestão, através do
empoderamento da cidadania.
Com
relação a capacitação do funcionalismo, foram criadas as Escolas de Governo
para formação e aperfeiçoamento dos servidores públicos, no âmbito federal a Escola
Nacional de Administração Pública (ENAP), destinação de recursos orçamentários para
a execução de programas de qualidade, treinamento e desenvolvimento e
implantação da avaliação do desempenho do servidor público.
Dessa forma, a obrigatoriedade da transparência, accountability, respeito aos princípios e o controle social, o acesso à informação de todos os atos governamentais e a participação popular na administração pública brasileira ainda tem muito a melhorar, notadamente em termos das condições de trabalho, qualificação adequada e valorização (inclusive salarial) dos servidores públicos.
Nos últimos anos, os governantes
do país, notadamente à partir do segundo mandato de FHC, nos dois mandatos de Lula
e no primeiro mandato de Dilma, ocorreram iniciativas que sinalizaram para um
modelo mais sistêmico, viabilizado por múltiplos programas intergovernamentais,
envolvendo ações de diferentes níveis e esferas de governo, e da sociedade
civil, como exemplos o Sistema Único de Saúde (SUS), o Sistema Único de Assistência
Social (SUAS), a Rede Integrada de Equipamentos Públicos de Segurança Alimentar
e Nutricional (REDESAN) e Territórios da Cidadania, que envolvem os mais
diversos atores governamentais e sociais, visando a atingir assim maior eficiência.
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