Na década de 70, em plena ditadura militar, quilombolas no Rio Grande do
Sul instituíram o dia 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra, para lembrar e
homenagear o líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, morto em 1695 pelas tropas
coloniais brasileiras. Em 1995 foi instituída nacionalmente, mas só
passou a fazer parte do calendário oficial através da Lei nº 10.639, no dia 9 de janeiro
de 2003. Mais do que comemoração o dia é de reflexão sobre as questões que
envolvem a inclusão efetiva dos negros na sociedade brasileira, com total
igualdade de direitos e oportunidades.
Infelizmente a maioria do povo brasileiro desconhece a nossa história e raízes,
e por isso não atribuem à data a importância devida. A rigor, o negro, é um dos
pilares de formação da nação, responsáveis por diversos aspectos sociais,
culturais e políticos que formam o Brasil. Entretanto continuam sofrendo toda a
sorte de infortúnios, preconceito e discriminação.
Graças à Constituição Federal de 88 diversos movimentos sociais
ganharam maior importância política, dentre eles o Movimento Negro que pôde
comemorar algumas vitórias tais como a política de cotas raciais na educação
(que atingiu 50,3% de negros nas escolas, embora ainda abaixo do percentual da
presença de negros de 55,8%), a obrigatoriedade do ensino da Cultura e História
Afro-Brasileira e o Estatuto da Igualdade Racial.
Entretanto a situação ora vivenciada é de escalada da violência contra a
população negra em nosso país, apontando para a necessidade grave e premente de
se construir – imediatamente -, ações afirmativas no sentido de diminuir a
intolerância e o preconceito de qualquer origem e contra qualquer pessoa ou
instituição.
Hoje,
sendo jovem e negro vê-se triplicado o risco de ser vítima de homicídio, muitas
vezes cometido por aqueles que deveriam, a rigor, zelar pela sua proteção. Por
certo vivencia-se um momento significativamente
perigoso em nosso país, que se reflete também em nosso estado, no qual a
intolerância e o preconceito atingem níveis alarmantes.
Entende-se
a partir de um sem número de reflexões acadêmicas que pesquisaram o cotidiano
das instituições, a existência do “racismo institucional” no Brasil, - conceito
surgido a partir dos anos 1990 -, enraizado na nossa sociedade.
Apesar
da ampliação das políticas sociais ter provocado impactos importantes na
redução das desigualdades raciais - nos aspectos de acesso aos serviços e
benefícios -, as políticas sociais universais não são mais os únicos
instrumentos necessários a serem adotados para se alcançar a redução das
desigualdades raciais.
Entende-se agora que para a desconstrução do
racismo institucional, que atua de forma difusa no funcionamento cotidiano de
instituições e organizações, provocando a desigualdade nas oportunidades que
são oferecidas aos diferentes segmentos raciais da população, precisa de ações afirmativas imediatas para o
conjunto da sociedade organizada privilegiando o enfoque “racial” do
preconceito visando revertê-lo ou ao menos diminuí-lo.
Grosso modo, cabe ao estado assegurar a participação
de todos os cidadãos em condições igualitárias de oportunidades na vida social,
econômica e cultural, sem qualquer tipo ou forma de discriminação.
Portanto, resta pacificado que é dever do estado e
de toda sociedade garantir a igualdade, reconhecendo a todo cidadão,
independentemente da etnia, raça, cor da pele e orientação sexual o direito à
saúde, educação, trabalho, cultura, esporte, lazer e participação na
comunidade.
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A Luta do Movimento Negro:
Inclusão social ou libertação: o desafio histórico
do Movimento Negro e Quilombola
Por José Levino
Foram mais de três séculos de escravidão dos
negros, trazidos à força da África. Muitos não aceitaram passivamente a
escravidão. Além de ações individuais e de algumas revoltas urbanas, a grande
reação dos negros foi a busca coletiva de libertação, fugindo das fazendas para
embrenhar-se nas matas e formar suas comunidades independentes e autônomas, os
quilombos.
O caminho da libertação
Centenas de quilombos se formaram no país inteiro e
foram caçados e destruídos pelas tropas do governo e por milícias particulares
dos fazendeiros, especialmente pelos bandeirantes paulistas. Entre os
quilombos, o maior deles e que se tornou símbolo da luta de libertação dos
escravos, foi o de Palmares (Alagoas/Pernambuco), que resistiu por mais de cem
anos (1580-1695).
Em Palmares, os negros, liderados por Ganga Zumba,
sucedido pelo herói Zumbi, construíram uma comunidade com sistema econômico
coletivo, com autonomia, independência política e liberdade, onde o povo podia
viver sua cultura original (religião, danças, costumes, tratamento de saúde
etc.). A autoridade maior tinha a denominação de rei, mas, de fato, funcionava
um regime de democracia participativa, pois nenhuma decisão, salvo as de
caráter militar que exigiam segredo ou urgência, era tomada sem consulta ao
conselho de representantes das várias comunidades que compunham a sociedade
palmarina.
Para se defender, os palmarinos criaram um exército
popular que resistiu a cerca de 40 ataques durante toda sua existência, sendo
derrotados em 1695 por um exército colonial formado por mais de 10 mil soldados
comandados por Domingos Jorge Velho, o famoso bandeirante paulista conhecido
como bandido por caçar índios para escravizá-los, além de matar idosos,
mulheres e crianças e incendiar as aldeias indígenas.
Zumbi foi assassinado no dia 20 de novembro de
1695. Por isso, essa data é o Dia da Consciência Negra. Sua cabeça ficou
exposta durante anos na Praça do Carmo, no Recife.
A via insurrecional
No século 18, pequenos quilombos surgiram, mas nenhum
que se aproximasse à dimensão de Palmares. No século 19, ocorreram várias lutas
insurrecionais, das quais a mais importante foi a Revolta dos Malês, que
levantou os escravos de Salvador e do Recôncavo Baiano.
As insurreições acabaram derrotadas. Em Salvador,
os quatro principais líderes da Revolta Malê foram condenados à morte e
fuzilados no dia 14 de maio de 1835. A repressão aumentou. Os negros foram
impedidos de circular à noite e de praticar sua cultura original. Foi proibida
também a venda de escravos da Bahia para outras regiões do país, numa tentativa
de conter a difusão da ideia de libertação.
A via da inclusão social
Contidos o crescimento, a articulação dos quilombos
e as insurreições, tomou corpo a via reformista estimulada pela Inglaterra,
cuja estratégia era conquistar a abolição e a inclusão dos negros no mercado
capitalista, na condição de força de trabalho liberada. Em expansão, a
burguesia inglesa precisava ampliar seus mercados e a permanência do trabalho
escravo representava um empecilho ao avanço do capital.
Setores da burguesia industrial nascente e de
“classe média” abraçaram a bandeira abolicionista. Os principais líderes foram:
Luiz Gama (1830-1882), filho de mãe negra e pai branco, escravo dos 10 aos 17
anos, beneficiário da Lei do Ventre Livre (1871), tornou-se jornalista,
advogado e escritor; José do Patrocínio (1853-1905), filho de um padre e de uma
escrava, foi criado como liberto e se formou em Farmácia, tornando-se também
jornalista e escritor; André Rebouças (1838-1898), engenheiro famoso cujo pai
era filho de uma escrava alforriada com um alfaiate português; e Joaquim Nabuco
(1849-1910), pernambucano, de família rica e branca, um dos mais importantes
diplomatas do Império.
A ação abolicionista se dá em três níveis:
1) Mudanças legislativas, entre as quais se
destacam: a) Lei Eusébio Queiroz (1850) que proibia o tráfico de escravos; b) a
Lei das Terras (1850), que tornou palatável para os proprietários rurais o fim
da escravidão, legislando que a propriedade da terra teria de ser adquirida por
meio da compra, e para a burguesia industrial, pois permitiria a emigração do
campo para os centros urbanos, criando uma grande reserva de mão de obra; c) a
Lei do Ventre Livre (1871), estabelecendo que seriam libertos os filhos de
escravos nascidos a partir daquela data; e d) a Lei dos Sexagenários (1885),
libertando os escravos a partir dos 60 (sessenta) anos de idade.
2) Compra de cartas de alforria, criando
associações que faziam campanhas financeiras a fim de comprar cartas de
alforria aos senhores, permitida a partir do século 18.
3) Fomento a “quilombos” de inclusão. Os
abolicionistas articulavam um local determinado e uma rede de apoios de
comerciantes e industriais e até compravam terras, estimulando a fuga de
escravos das fazendas para esses lugares. Houve poucas experiências nesse
sentido, mas uma delas ficou bem conhecida. Foi a do “quilombo” de Jabaquara,
em Santos, São Paulo (1839-1898). Os abolicionistas colocaram para liderar
cerca de três mil escravos Quintino de Lacerda, um liberto que continuava
morando na casa do seu senhor. Foi eleito vereador, mas a Câmara, racista,
negou a sua posse, que só aconteceu por ordem judicial.
A abolição, em 1888 (Lei nº 3.353, de 13/05/1888),
não promoveu sequer a inclusão social, pois, como não houve reforma agrária, os
ex-escravos foram expulsos das fazendas e se deslocaram para a periferia das
cidades, onde tiveram de sobreviver de biscates, trabalhar em serviços
auxiliares nas fábricas (limpeza) e morar nos mocambos e favelas. A mão de obra
para a indústria foi trazida da Europa, bem como para a lavoura cafeeira do
Sudeste.
A luta do Movimento Negro
Movimentos Negros surgem na década de 1970, sob a
ditadura militar, buscando o resgate da cultura original afro e relacionando-a
com as reivindicações da periferia. Em 1978, o Movimento Negro Unificado (MNU)
lança manifesto no qual pronuncia “como princípio básico o trabalho de denúncia
permanente de todos os atos de discriminação racial, a organização constante da
comunidade para enfrentar qualquer tipo de racismo (…). Por essa razão,
propomos a criação de centros de luta do movimento negro unificado contra a
discriminação racial nos bairros, nas cidades, nas prisões, nos terreiros de
candomblé, em nossos terreiros de umbanda, no trabalho, nas escolas de samba,
nas igrejas, em todos os lugares onde as pessoas vivem: Centros de Luta que
promovam o debate, a informação, a conscientização e a organização da
comunidade negra (…). Convidamos os setores democráticos da sociedade que nos
apoiam a criarem as condições necessárias para uma verdadeira democracia
racial”.
O MNU e outros movimentos e organizações negras
promoveram ampla mobilização em favor da inclusão de suas propostas
antirraciais na Constituinte pós-ditadura militar, realizando uma convenção
nacional em 1986, cuja resolução propõe normas a serem inseridas na nova
Constituição tratando de “direitos e garantias individuais, violência policial,
condições de vida e saúde, direitos da mulher e do menor, educação, cultura,
trabalho, questão da terra e relações internacionais”. A articulação conseguiu,
junto com outros movimentos sociais, a formação de uma Subcomissão dos Negros,
Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias.
Demarcação Já!
As principais conquistas inseridas na Constituição
foram a definição de igualdade, a proibição de qualquer discriminação racial e
o direito ao território. O conceito de remanescentes de quilombos foi
introduzido na Constituição de 1988 (hoje, o Movimento Quilombola não aceita
esta denominação, preferindo descendentes dos quilombos). A
Constituição Federal determina o direito ao território por parte daquelas
comunidades que se autorreconheçam como quilombolas e comprovem as Comunidades
Quilombolas (Conaq). O Decreto 4.887/2003 regulamentou os procedimentos de
identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras
ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas. Esse processo está mais
atrasado que o dos indígenas e sofrerá igualmente as consequências da PEC 215,
se aprovada. Atualmente, apenas 253 comunidades quilombolas contam
com o título de propriedade de seu território, número que representa apenas 8%
da totalidade estimada de três mil comunidades no Brasil.
O Movimento Quilombola luta pelo território e o
Movimento Negro, em geral, por políticas de inclusão social, a exemplo das
quotas para negros nas universidades e a implementação do Estatuto da Igualdade
Racial.
Reflexão sobre inclusão social e libertação
Inclusão é uma compensação; dificulta a organização
do povo, pois é processada individualmente; trata-se de estratégia das classes
dominantes para servir ao capitalismo. A superação do racismo, da discriminação
racial, assim como a de gênero, não se dará dentro do capitalismo. É claro que
não bastam a supressão da propriedade privada e o estabelecimento de novas
relações sociais de produção para automaticamente se pôr fim ao racismo. Foram
três séculos de escravidão, tratando os negros, no Brasil, como seres
inferiores. Portanto, a superação dessa ideia passa por um profundo
desenvolvimento de uma nova consciência de que os oprimidos constituem uma
classe que não é uniforme. Entretanto, a vitória e a implantação de uma
sociedade sem classes, com a mais profunda unidade, somente serão possíveis com
o respeito à diversidade de pontos de vista e comportamentos que não colidam
com o objetivo comum. A união entre a classe trabalhadora – unir quilombolas
com índios, camponeses e operários – é estratégica, fundamental para a criação
do poder popular.
O grande desafio para os movimentos sociais e
organizações de esquerda que propõem mudanças estruturais visando a uma
sociedade socialista é não recusar as medidas inclusivas – como quotas e
distribuição de cestas básicas para comunidades quilombolas, pois o povo tem
necessidade dessas medidas –, mas transformar tais benefícios em meios de
fortalecer a consciência e a organização quilombola e a articulação com os
demais setores sofridos do proletariado brasileiro, em vista da criação de uma
Frente Popular e a conquista de um governo de baixo para cima, de forma
independente e autônoma. Para esse fim, as eleições e a ocupação de espaços
institucionais jamais poderão ser consideradas como um fim em si, mas como meio
para o alcance do objetivo maior, que não é de inclusão social, mas de
libertação.
José Levino é historiador, colaborador do jornal A Verdade, disponível
em http://averdade.org.br/, postado originalmente em 03/07/2017.
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Sobre a escravidão no Brasil
Sobre a escravidão no Brasil
A
escravidão no Brasil (1530-1888) se consolidou como uma experiência de longa
duração que marcou diversos aspectos da cultura e da sociedade brasileira. Mais
que uma simples relação de trabalho, a existência da mão de obra escrava
africana fixou um conjunto de valores da sociedade brasileira em relação ao
trabalho, aos homens e às instituições. Nessa trajetória podemos ver a
ocorrência do problema do preconceito racial e social no decorrer de nossa
história.
Durante
o estabelecimento da empresa colonial portuguesa, a opção pelo trabalho escravo
envolveu diversas questões que iam desde o interesse econômico ao papel
desempenhado pela Igreja na colônia. Sob o aspecto econômico, o tráfico de
escravos foi um grande negócio para a Coroa Portuguesa. Em relação à posição da
Igreja, o povo português foi impelido a escravizar os indígenas, pois estes
integrariam o projeto de expansão do catolicismo pelas Américas.
No
mundo do trabalho, a escravidão fez com que o trabalho se tornasse uma
atividade inferior dentro da sociedade da época. O trabalho braçal era visto
como algo destinado ao negro. Mesmo grande parte da mão de obra sendo empregada
em atividades que exigiam grande esforço físico, outras tarefas também eram
desempenhadas pelos escravos. Os escravos domésticos trabalhavam nas casas
enquanto os escravos de ganho administravam pequenos comércios, praticavam
artesanato ou prestavam pequenos serviços para seus senhores.
Mesmo
a escravidão tornando-se uma prática usual, não podemos nos esquecer das várias
formas de resistência contra a escravidão que aconteceram. O conflito direto,
as fugas e a formação de quilombos eram as mais significativas formas de
resistência. Além disso, a preservação de manifestações religiosas, certos
traços da culinária africana, a capoeira, o suicídio e o aborto eram outras
vias de luta contra a escravidão.
Após
a independência do Brasil, observamos que a escravidão se manteve
intocada. O preconceito racial e os interesses dos grandes proprietários
permitiam a preservação do sistema escravista. Somente no Segundo Reinado
podemos contemplar a formação de um movimento em prol da abolição. Em meio à
ascensão do abolicionismo, os interesses britânicos pela ampliação de seu
mercado consumidor em solo brasileiro e a imigração de trabalhadores europeus
davam brecha para o fim desse sistema.
Durante
o governo de Dom Pedro II, várias leis de caráter abolicionista foram sendo
aplicadas. A gradação da política abolicionista traduzia o temor que certos
setores da elite tinham em um processo de abolição brusco capaz de promover uma
revolta social. A lei Eusébio de Queiroz, de 1850, foi a primeira a proibir o
tráfico de escravos para o Brasil. Somente quase quarenta anos depois, em 1888,
a Lei Áurea deu fim ao regime escravista brasileiro.
Apesar
do fim da escravidão, a abolição não foi acompanhada por nenhuma ação no
sentido de integrar o negro à sociedade brasileira. A discriminação racial e a
exclusão econômica persistiram ao longo do século XX. Apesar de várias ações
governamentais que atualmente querem atenuar o peso dessa “dívida histórica”,
ainda falta muito para que o negro supere os resquícios de uma cultura ainda
aberta ao signo da exclusão.
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