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O Ecossocialismo





A crise ecológica abre a possibilidade para um novo projeto político, econômico e social: o ecossocialismo, defendido pelo sociólogo brasileiro, radicado na França, Michael Löwy

A ideia central da proposta é romper com o capitalismo e transformar as estruturas das forças produtivas e do aparelho produtivo. “Trata-se de destruir esse aparelho de Estado e criar um outro tipo de poder. Essa lógica tem que ser aplicada também ao aparelho produtivo: ele tem que ser, senão destruído, ao menos radicalmente transformado. 
Ele não pode ser simplesmente apropriado pelos trabalhadores, pelo proletariado e posto a trabalhar a seu serviço, mas precisa ser estruturalmente transformado”, esclarece.
Crítico ao capitalismo verde, que pretende transformar o capital e torná-lo menos agressivo ao meio ambiente, Löwy acredita que a crise ecológica é mais grave do que a econômica, pois “coloca em perigo a sobrevivência da vida humana neste planeta”. 
Em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail, ele enfatiza que é preciso reorganizar o modo de produção e consumo, atendendo “às necessidades reais da população e à defesa do equilíbrio ecológico”. As economias emergentes devem se desenvolver, mas não precisam “copiar o modelo de desenvolvimento capitalista do Ocidente”, aconselha. “Se trata de buscar um outro modelo, um desenvolvimento ecossocialista, baseado na agricultura orgânica dos camponeses e nas cooperativas agrárias, nos transportes coletivos, nas energias alternativas e na satisfação igualitária e democrática das necessidades sociais da grande maioria”.
Michael Löwy é cientista social e leciona na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, da Universidade de Paris. Entre sua vasta obra, destacamos Ideologias e Ciência Social. Elementos para uma análise marxista (São Paulo: Cortez, 1985); As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen (São Paulo: Cortez, 1998); A estrela da manhã. Surrealismo e marxismo (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002); Walter Benjamin: Aviso de Incêndio. Uma leitura das teses “Sobre o conceito de história” (São Paulo: Boitempo, 2005) e Lucien Goldmann, ou a dialética da totalidade (São Paulo: Boitempo, 2005).
Confira a entrevista com Michael Löwy

IHU On-Line – O que o senhor entende por ecossocialismo? Quais as ideias principais dessa corrente?
Michael Löwy – O ecossocialismo é uma proposta estratégica que resulta da convergência entre a reflexão ecológica e a reflexão socialista, a reflexão marxista. Existe hoje em escala mundial uma corrente ecossocialista: há um movimento ecossocialista internacional, que recentemente, por ocasião do Fórum Social Mundial de Belém (janeiro de 2009), publicou uma declaração sobre a mudança climática; e existe no Brasil uma rede ecossocialista que publicou também um manifesto, há alguns anos. Ao mesmo tempo, o ecossocialismo é uma reflexão crítica.
Em primeiro lugar, crítica à ecologia não socialista, à ecologia capitalista ou reformista, que considera possível reformar o capitalismo, desenvolver um capitalismo mais verde, mais respeitoso ao meio ambiente. Trata-se da crítica e da busca de superação dessa ecologia reformista, limitada, que não aceita a perspectiva socialista, que não se relaciona com o processo da luta de classes, que não coloca a questão da propriedade dos meios de produção. 
Mas o ecossocialismo é também uma crítica ao socialismo não ecológico, por exemplo, da União Soviética, onde a perspectiva socialista se perdeu rapidamente com o processo de burocratização e o resultado foi um processo de industrialização tremendamente destruidor do meio ambiente. Há outras experiências socialistas, porém, mais interessantes do ponto de vista ecológico – por exemplo, a experiência cubana (com todos seus limites).
O projeto ecossocialista implica uma reorganização do conjunto do modo de produção e de consumo, baseada em critérios exteriores ao mercado capitalista: as necessidades reais da população e a defesa do equilíbrio ecológico. Isto significa uma economia de transição ao socialismo, na qual a própria população – e não as leis do mercado ou um “burô político” autoritário – decide, num processo de planificação democrática, as prioridades e os investimentos.
Esta transição conduziria não só a um novo modo de produção e a uma sociedade mais igualitária, mais solidária e mais democrática, mas também a um modo de vida alternativo, uma nova civilização, ecossocialista, mais além do reino do dinheiro, dos hábitos de consumo artificialmente induzidos pela publicidade, e da produção ao infinito de mercadorias inúteis.

IHU On-Line –
 Em que consiste o Manifesto Ecossocialista Internacional?
Michael Löwy – O Manifesto Ecossocialista Internacional, redigido em 2001 por Joel Kovel e por mim, foi uma primeira tentativa de resumir, em algumas páginas, as ideias principais do ecossocialismo, como projeto radicalmente anticapitalista e antiprodutivista, e como crítica às experiências socialistas não ecológicas do século XX.

IHU On-Line – A tentativa de aplicar o socialismo no mundo fracassou. Será possível vingar o ecossocialismo? Por quê?
Michael Löwy – As experiências de corte social-democrata fracassaram porque não sairam dos limites de uma gestão mais social do capitalismo e, nos últimos anos do neoliberalismo, as experiências de tipo soviético ou stalinista fracassaram por ausência de democracia, liberdade e auto-organização das classes oprimidas. As duas tinham em comum uma visão produtivista de exploração da natureza, com dramáticas consequências ecológicas.
O ecossocialismo parte de uma visão crítica destes fracassos e propõe um projeto democrático, libertário e ecológico. Nada garante que possa vingar. Depende das lutas ecossociais do futuro.

IHU On-Line –
 Sob quais aspectos a crise ecológica é mais grave do que a econômica?Michael Löwy – A crise econômica tem consequências sociais dramáticas – desemprego, crise alimentar etc. –, mas a crise ecológica coloca em perigo a sobrevivência da vida humana neste planeta. O processo de mudança climática e aquecimento global, provocado pela lógica expansiva e destruidora do capitalismo, pode resultar, nas próximas décadas, numa catástrofe sem precedente na história da humanidade: desertificação das terras, desaparecimento da água potável, inundação das cidades marítimas pela subida do nível dos oceanos etc.

IHU On-Line –
 Como pensar em ecossocialismo se a Modernidade é capitalista? Seria o ecossocialismo uma proposta para romper com o capital?
Michael Löwy – Absolutamente! Uma das ideias fundamentais do ecossocialismo é a necessidade de uma ruptura com o capitalismo. Uma ruptura que vai mais além de uma mudança das relações de produção, das relações de propriedade. Trata-se de transformar a própria estrutura das forças produtivas, a estrutura do aparelho produtivo.
Há que aplicar ao aparelho produtivo a mesma lógica que Marx aplicava ao aparelho de Estado a partir da experiência da Comuna de Paris, quando ele diz o seguinte: os trabalhadores não podem apropriar-se do aparelho de Estado burguês e usá-lo a serviço do proletariado; não é possível, porque o aparelho do Estado burguês nunca vai estar a serviço dos trabalhadores.
Então, trata-se de destruir esse aparelho de Estado e de criar um outro tipo de poder. Essa lógica tem que ser aplicada também ao aparelho produtivo: ele tem que ser, senão destruído, ao menos radicalmente transformado. Ele não pode ser simplesmente apropriado pelos trabalhadores, pelo proletariado e posto a trabalhar a seu serviço, mas precisa ser estruturalmente transformado. É impossível separar a ideia de socialismo, de uma nova sociedade, da ideia de novas fontes de energia, em particular do Sol – alguns ecossocialistas falam do comunismo solar, pois entre o calor, a energia do Sol e o socialismo e o comunismo haveria uma espécie de afinidade eletiva.

IHU On-Line – Como o ecossocialismo pode se sustentar em economias emergentes, que ainda não conquistaram um status de bem-estar social das economias desenvolvidas?Michael Löwy – As economias dos países do Sul, da Ásia, África e América Latina devem se desenvolver, mas isto não significa copiar o modelo de desenvolvimento capitalista do Ocidente e seu padrão de consumo insustentável. Trata-se de buscar um outro modelo, um desenvolvimento ecossocialista, baseado na agricultura orgânica dos camponeses e nas cooperativas agrárias, nos transportes coletivos, nas energias alternativas e na satisfação igualitária e democrática das necessidades sociais da grande maioria. O modelo ocidental não so é absurdo e irracional, mas não é generalizável: se os chineses quisessem imitar o American way of life, cinco planetas seriam necessários.

IHU On-Line –
 A humanidade deve preocupar-se com o ecossocialismo ou com o capitalismo verde?
Michael Löwy – O capitalismo verde é uma contradição nos termos. A lógica intrinsecamente perversa do sistema capitalista, baseada na concorrência impiedosa, nas exigências de rentabilidade, na corrida pelo lucro rápido, é necessariamente destruidora do meio ambiente e responsável pela catastrófica mudança do clima. As pretensas soluções capitalistas como o etanol, o carro elétrico, a energia atômica, as bolsas de direitos de emissão são totalmente ilusórias.
Os acordos de Kyoto, a fórmula mais avançada até agora de capitalismo verde, demonstrou-se incapaz de conter o processo de mudança climática. As soluções que aceitam as regras do jogo capitalista, que se adaptam às regras do mercado, que aceitam a lógica de expansão infinita do capital, não são soluções, são incapazes de enfrentar a crise ambiental – uma crise que se transforma, devido à mudança climática, numa crise de sobrevivência da espécie humana. Como disse recentemente o secretário das Nações Unidas, Ban Ki Moon: “Estamos correndo para o abismo com os pés colados no acelerador”.

IHU On-Line – Em que sentido a crise ecológica atual pode ser entendida como um problema de luta de classes?
Michael Löwy – Por um lado, a crise ecológica é um problema de toda a humanidade, pessoas de várias classes sociais podem se mobilizar por esta causa. Por outro lado, as classes dominantes são cegadas por seus interesses imediatos, pensam exclusivamente em seus lucros, sua competitividade, suas partes de mercado e defendem, com unhas e dentes, o sistema capitalista responsavel pela crise. As classes subalternas, os trabalhadores da cidade e do campo, os desempregados, o pobretariado têm interesses conflitivos com o capitalismo e podem ser ganhos para o combate ecossocialista. Não se trata de um processo inevitável, mas de uma possibilidade histórica.

IHU On-Line –
 Nas últimas conferências do clima, em Copenhague e Cancun, os movimentos sociais e ambientalistas fracassaram? Por que não se vê perspectiva de avançar nas lutas ambientais?
Michael Löwy – O que fracassou em Copenhague e Cancun foram as políticas dos governos comprometidos com o sistema, que demonstraram sua total incapacidade de tomar qualquer decisão, mesmo a mais ínfima, no sentido de buscar reduzir significativamente as emissões de CO2, responsáveis pelo aquecimento global.
A manifestação de cem mil pessoas nas ruas de Copenhague nem 2009, protestando contra o fracasso da conferência oficial, com a palavra de ordem “Mudemos o sistema, não o clima”, é um primeiro passo, alentador, no sentido de uma mobilização ecológica radical. Ainda estamos longe de ter uma luta ecológica planetária capaz de mudar a relação de forças e impor as drásticas mudanças necessárias. Mas esta é a única esperança de evitar a catástrofe anunciada.

IHU On-Line – Considerando o contexto de capitalismo exacerbado, acredita que as pessoas estão preparadas para o ecossocialismo?
Michael Löwy – Existe um sentimento anticapitalista difuso na América Latina, na Europa e em outras partes do mundo. O movimento altermundialista é uma das expressões disto. Por outro lado, cresce a consciência ecológica, a preocupação com as ameaças profundamente inquietantes que representa a mudança climática. Mas é no curso das lutas ecossociais contra as multinacionais destruidoras do meio ambiente e contra as políticas neoliberais que poderá surgir uma perspective ecossocialista. Não há nenhuma garantia; é apenas uma possibilidade, mas dela depende o futuro da vida neste planeta.

IHU On-Line – Qual é o papel das populações originárias como os indígenas e quilombolas na consolidação do ecossocialismo?
Michael Löwy – Em toda a América Latina – mas também na América do Norte e em outras regiões do mundo – as populações indígenas estão na primeira linha do combate à destruição capitalista do meio ambiente, em defesa da terra, dos rios, das florestas, contra as empresas mineiras, o agronegócio e outras manifestações da guerra do capital contra a natureza. Não por acaso os indígenas tiveram um papel determinante na organização da Conferência de Cochabamba em Defese da Mãe Terra e contra a Mudança Climática, em 2010, que contou com a participação de dezenas de milhares de delegados de comunidades indígenas e movimentos sociais. Temos muito a aprender com as comunidades indígenas, que representam outra visão da relação dos seres humanos com a natureza, totalmente oposta ao ethos explorador e destruidor do mercantilismo capitalista. Como diz nosso companheiro, o histórico lider indígena peruano Hugo Blanco: “Os indígenas já praticam o ecossocialismo há séculos!”
(Fonte: http://www.ihu.unisinos.br)
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Manifesto Ecossocialista Internacional


Crédito da foto: Tiago Miotto

1) Os ecossocialistas procuram resgatar a herança histórica de luta da humanidade pela   justiça social, pela democracia como valor essencial e pelo direito à diferença (de gênero - Homem-Mulher -, da diversidade cultural dos povos e de opções sexuais, religiosas). Afirmam que, como parte dos movimentos que entram em luta por novas formas de relações sociais (socialistas), entram em luta também por novas formas de relação do ser humano com a natureza. Nesse sentido, não somos nem socialistas no sentido estrito, nem ecologistas em sentido estrito: somos ecossocialistas.

2) O "socialismo realmente existente", ao propor a primazia do desenvolvimento das forças produtivas em detrimento de novas relações sociais que permitissem o livre desenvolvimento do ser humano e a proteção do meio ambiente, reproduziu na prática características da sociedade capitalista que pretendia superar.
3) A crise na qual está imersa a humanidade não se restringe ao campo do econômico, mas abrange todo um processo civilizatório com suas crenças e seus valores, inclusive a crença de que a economia é a base da felicidade humana. Daí a necessidade de se repensar os fundamentos filosóficos para a construção de uma nova utopia. Entre esses valores que precisam ser repensados e que fazem parte, inclusive, da herança filosófica de grande parte da esquerda está o antropocentrismo.
4) Para os ecossocialistas, as especificidades do homem como espécie biológica que, por exemplo, tem a propriedade de criar cultura e história não são suficientes para autorizar a visão da natureza como objeto a ser submetido. Para os ecossocialistas, o Homem é parte da natureza, aquela que, inclusive, desenvolveu a consciência. Se vivemos numa sociedade em que a espécie humana perdeu essa consciência da sua naturalidade, esta é mais uma dimensão do processo de alienação a que se chegou.
5) Para os ecossocialistas, a defesa da vida não se restringe à defesa da vida humana, mas se estende a todas as formas de vida.
6) O chamado "socialismo científico", construído a partir das visões científicas do século passado (positivismo, evolucionismo, determinismo), da lógica cartesiana e da física newtoniana (mecânica), deve ser dialeticamente superado. Uma nova visão de mundo, holística, não-compartimentalizada, que reconheça que aquilo que a ciência convencional chama de "LEI" e "ORDEM" é apenas uma parte da realidade, da qual o ACASO também faz parte, constitui-se em novo paradigma sobre o qual poderíamos reformular nossa utopia.
7) Os ecossocialistas recusam a tese de que o homem está destruindo a natureza. Essa tese, ao tratar da questão genericamente, dilui as responsabilidades pela atual devastação do planeta. Numa sociedade fundada no lucro e na propriedade privada, a natureza não está igualmente à disposição do ser humano. A propriedade privada da natureza tira, por exemplo, de grande parte da humanidade o direito de decidir o que dela vai ser feito. Assim, vivemos numa sociedade que gera riqueza (questionável) para poucos, miséria para muitos e degradação ambiental para todos, pondo em risco, inclusive, a própria sobrevivência do planeta.
8) Desse modo, os recursos naturais do planeta não podem ser apropriados sob o regime da propriedade privada com poderes absolutistas do proprietário, mas sim de forma coletiva, democrática, em sintonia com o meio ambiente, e solidária com as gerações futuras.
9) Nesse sentido, é necessário mudar a relação ser humano-natureza, buscando uma relação harmoniosa preocupada com o futuro do planeta. Os interesses dos segmentos, grupos classes, povos e nações têm que ser compatibilizados com o meio ambiente. Para os ecossocialistas, os interesses dos explorados e oprimidos devem ser pensados para além do corporativismo, e para isso é preciso que incorporemos um projeto que seja do interesse de toda a humanidade e de defesa da(s) vida(s) e do planeta. A visão holística inerente aos ecossocialistas é fundamental na superação efetiva do corporativismo, pois implica reconhecer o outro como outro na sua diferença.
10) Para os ecossocialistas, um meio ambiente saudável é incompatível com o capitalismo nas suas duas vertentes, a neoliberal e a social-democrata. A preocupação com o enriquecimento imediato, inerente à lógica do MERCADO e do LUCRO, deve deixar de constituir a base dos valores da humanidade. A separação do homem da terra está na origem e no cerne da sociedade capitalista. Só assim foi possível a mercantilização generalizada dos homens (proletarização) e da natureza. A lógica do mercado, que pressupõe a divisão do trabalho, levou a uma extrema especialização tanto produtiva como do conhecimento. A lógica da concorrência impôs ritmos intensos ao processo de produção, incompatíveis com os fluxos de matéria e energia de cada ecossistema (que ficaram dependentes de insumos energéticos externos), com o equilíbrio psicoafetivo do trabalhador (vide Chaplin em Tempos Modernos) e com os ritmos próprios à vida de cada povo e cultura. Nesse sentido, capitalismo e desenvolvimento auto-sustentável são incompatíveis.
11) A queda do Muro de Berlim e da burocracia com suas políticas secretas sepultou o modo coletivista do Estado autoritário e centralizado, mas não os princípios e os fundamentos de um igualitarismo socialista democrático.
12) No entanto, para a opinião pública mundial ficaram abalados os princípios da supremacia do coletivo sobre o individual e do plano sobre o mercado. Impõe-se a necessidade de repensarmos a relação entre o individual e o social, entre o público e o privado. A luta contra a desigualdade, por exemplo, não é uma luta pela igualdade no sentido estritamente econômico-social. É uma luta para que todos tenham condições iguais para afirmar suas diferenças. Os ecossocialistas recusam uma visão do social que anule o indivíduo. Queremos um social que incorpore a visão de que cada indivíduo é singular, tem a sua originalidade. Queremos um social que permita o desabrochar da criatividade que existe em cada ser humano. Queremos um socialismo (e não um social-ismo) que seja assinado na primeira pessoa, em que cada um se sinta estimulado e responsável individualmente pela sua construção. Não confundimos afirmação da individualidade com individualismo, como, de certa forma, a esquerda até hoje veio fazendo. Como a questão do indivíduo era confundida com o individualismo burguês, ela foi negligenciada e recalcada. No entanto, como ela é parte constitutiva do homem moderno e não era explicitada no seio da esquerda, a questão do indivíduo veio se manifestando de uma maneira perversa por meio dos diversos cultos à personalidade. Aquilo que era negado à maioria sob o pretexto de que se constituía num princípio burguês passou a ser privilégio de alguns poucos (quase sempre do secretário-geral).
13) No entanto, os ecossocialistas propugnam por ampliar radicalmente os espaços das liberdades coletivas e individuais, não restringindo as especificidades do desenvolvimento afetivo, psicológico e cultural.
14) Em uma sociedade em que o poder e a economia estão extremamente centralizados, monopolizados - como a que vivemos, tanto em nível nacional como internacional -, não é possível deixar exclusivamente às forças do mercado a formação dos valores, dos gostos e dos preços. O mercado não gosta dos miseráveis e a justiça social não é mercadoria que dê lucros imediatos. Não queremos trocar o ESTADO TOTAL pelo MERCADO TOTAL. É preciso mesmo indagar-se se existe mercado numa economia oligopolizada.
15) Afirmamos que os princípios da autogestão, da autonomia, da solidariedade (inclusive com as gerações futuras), da defesa da(s) vida(s) e das liberdades, do desenvolvimento espiritual e cultural dos indivíduos e dos povos e das tecnologias alternativas, libertos das amarras do produtivismo e do Estado autoritário, ajudarão a semear e robustecer a utopia transformadora ecossocialista e libertária.
16) Uma das decorrências do antropocentrismo (na verdade, do homem europeu, logo do eurocentrismo) foi (e é) o produtivismo. A crença num homem TODO-PODEROSO que tudo pode submeter está na base da idéia de progresso do mundo moderno. O PROGRESSO entendido como aumento da riqueza material, medido por meio do PIB, impregnou as consciências, inclusive a de muitos que se pensam críticos da sociedade dominante. Para os ecossocialistas, o capitalismo não é somente um modo de produção. É também um modo de vida, um determinado projeto civilizatório, um modo de ser para o ser humano. Não cabe simplesmente questionar o modo de produção-distribuição do capitalismo. Se o capitalismo não permite que todos tenham automóveis, nós, os ecossocialistas, não lutamos para que todos tenham um, pois isso só socializaria o congestionamento. Assim, não questionamos somente o modo como se produz e para quem. Incorporamos à nossa crítica também o BEM-ESTAR. Queremos um BEM-VIVER, que vai além do conforto material. 
17) Assim, os ecossocialistas questionam os padrões culturais de consumo que são condicionados pelo modo de produção. Diferenciamo-nos dos demais ecologistas, pois não ficamos na crítica ao consumismo, uma vez que esta é a face aparente de uma sociedade que, no fundo, é produtivista. O produtivismo-consumismo é, por sua vez, filho direto dos valores antropocêntricos que a sociedade capitalista leva ao paroxismo com sua visão da riqueza imediata, do lucro e da extrema fragmentação/especialização da produção, inclusive da produção do conhecimento.
18) A crítica ecossocialista da matriz produtivista-consumista dos atuais modelos de desenvolvimento predatórios, embotantes e desumanos se dirige também à proposta de "crescimento zero" ou do anticonsumismo monástico para o Terceiro Mundo. Propomos, sim, um redirecionamento da produção-consumo que vise prioritariamente a superação da miséria, tanto material como espiritual, e uma gestão democrática dos recursos. Para os ecossocialistas, a produção não é um fim em si mesma, mas um meio para a efetivação de uma sociedade igualitária baseada na radicalização democrática (que combina democracia direta e representativa).
19) A tese do "crescimento zero" demonstrou toda a sua fragilidade sobretudo na última década de recessão e desemprego, com queda do PIB. Mesmo nesse contexto, a degradação ambiental só fez progredir. Nada temos contra o crescimento se ele for baseado na proteção da natureza e na gestão democrática dos recursos. O crescimento do ser humano não pode ser reduzido ao consumo de bens materiais. Não queremos substituir o SER pelo TER. Essa é a utopia capitalista.
20) Para os ecossocialistas, o trabalhador não se define como "mão-de-obra" ou "força-de-trabalho", mas como um ser humano pleno e complexo, com direitos integrais de cidadania. Não reduzimos o ser humano ao mundo da produção, nem tampouco à sua dimensão econômica. A economia é apenas um instrumento a serviço da sociedade, e não o contrário, como acontece no capitalismo, e, portanto, deve estar subordinada democraticamente aos cidadãos.
21) Os ecossocialistas não entendem que os proletários fabris e rurais sejam os únicos agentes da transformação social. Há um movimento real, constituído por diferentes movimentos sociais, que procura suprimir o estado de coisas existentes. São pessoas que pelas mais diferentes razões rompem a sua inércia e vêm para o espaço público construir novos direitos.
22) Os ecossocialistas propõem novos critérios para a elaboração da contabilidade nacional, em que sejam computados os custos da degradação do meio ambiente, como, por exemplo, a perda da biodiversidade, do fundo de fertilidade da terra (e da água), dos mananciais. A poluição é um claro exemplo de socialização dos prejuízos e da privatização dos benefícios. Para nós são indicadores do desenvolvimento o tempo livre e o avanço cultural do povo e, para isso, é fundamental retomar a luta pela diminuição da jornada de trabalho. Não existe nenhum limite natural para a jornada de trabalho. Ele é claramente político e é o resultado das lutas de classes. Entendemos que o trabalho é uma necessidade e, como tal, deve ser democraticamente gerenciado e reduzido para que o homem possa ser livre.
23) A sociedade americana, paradigma de desenvolvimento na ótica dominante, no seu afã produtivista-consumista, chegou à insana condição de, com apenas 6% da população mundial, consumir 25% da produção mundial do petróleo. Desse modo, se 24% da população mundial tivesse o padrão cultural da sociedade norte-americana, consumiria 100% do petróleo mundial. Esse modelo se mostra, assim, definitivamente, não só devastador-poluidor como também excludente socialmente. Se na utopia capitalista a felicidade deve ser alcançada por meio do consumo de bens materiais com todas as conseqüências já apuradas, nós, ecossocialistas, propugnamos a luta por um redirecionamento do que seja riqueza que incorpore, inclusive, a dimensão ética, pois deve ser estendida a todos os seres humanos e se pautar no direito à vida de todos os seres vivos. A sociedade moderna surgiu apoiada numa ética do trabalho, que, no entanto, vem sendo substituída pela ética do consumo. É preciso superarmos, dialeticamente, a ambas.
24) a ciência e a tecnologia são indispensáveis para a construção da sociedade ecossocialista, em que haja a superação do desperdício e da devastação e a diminuição da jornada de trabalho (o tempo livre). Todavia não podemos cair no mito nacionalista de que a ciência e a tecnologia são os únicos motores para se alcançar tal fim. É a própria noção de riqueza e trabalho que precisa ser reelaborada. Outras sociedades, menos complexas tecnologicamente do que a nossa, foram capazes de subordinar o trabalho e não se escravizar a ele.
25) A luta pela construção do ecossocialismo passa, necessariamente, pela invenção de novas tecnologias e por uma apropriação crítica do complexo tecnológico hoje à disposição da humanidade. Nesse sentido, devemos estar atentos e abertos a todo o complexo científico-tecnológico que o conhecimento humano produziu e, sobretudo, saber adequá-lo às particularidades socioculturais de nosso povo, tanto para recusá-lo como para dele nos apropriar.
26) Até agora o movimento popular e sindical tem se preocupado com a questão tecnológica basicamente por seu impacto no (des)emprego, com ênfase nas conseqüências da robótica e da informática. Esse é um aspecto importante e por intermédio dele é possível perceber com clareza que a redução da jornada de trabalho se constitui numa bandeira extremamente moderna e atual. No entanto, há um outro lado da questão que precisa ser aprofundado: em muitos casos o trabalhador tem vendido a sua saúde (insalubridade como adicional no salário) em vez de lutar pela despoluição das fábricas e dos processos de produção, deixando intacta a matriz tecnológica do capital. Os ecologistas lançam junto aos sindicatos e à classe trabalhadora a luta política pelas tecnologias limpas e um ambiente de trabalho saudável, tanto no aspecto bio-físico-químico como no psicossocial. Devemos, pois, assumir a luta por tecnologias que minimizem o impacto agressivo sobre a saúde e a vida de quem produz e o meio ambiente, patrimônio da população e base de sua qualidade de vida. A luta pela substituição das tecnologias sujas que usam o benzeno, o mercúrio, o ascarel, o asbesto, os agrotóxicos e o jateamento de areia (nos estaleiros, por exemplo), entre outros, supõe o aumento da consciência de classe e, por incorporar a dimensão ecológica, torna-se uma questão de interesse de toda a humanidade, contribuindo para superar o corporativismo. Ambientes de produção ecologicamente seguros são condição preliminar para que todo o ambiente seja despoluído. O segredo comercial, normalmente invocado pelo capital para não revelar a composição química de seus produtos, não pode estar acima da vida.
27) As chamadas tecnologias limpas não se resumem ao tratamento da saúde, dos efluentes e dos despejos, mas implicam a despoluição de todo o processo de produção em todas as suas fases. O ecossocialismo não quer limpar a atual organização do processo produtivo sem alterar seus princípios e sua lógica de funcionamento. Não queremos pintar de verde a fachada do prédio do capitalismo predatório, mantendo inalterada sua lógica de exploração, exclusão e desigualdades. Assim, a bandeira das tecnologias limpas deve se associar às transformações na estrutura da propriedade, de distribuição e da natureza do consumo final.
28) Para efetivar esta bandeira torna-se fundamental uma articulação entre a comunidade científica, o movimento ambientalista e o movimento popular e sindical. Isolados estes, as teses ficam nas gavetas e a chantagem patronal joga trabalhadores e ecologistas uns contra os outros. São os trabalhadores que vivem cotidianamente submetidos às piores condições ambientais, tanto no seu local de trabalho como em sua moradia. É preciso, no entanto, romper com o corporativismo que opõe trabalhadores de um lado e ambientalistas e cientistas de outro. Se os trabalhadores, por exemplo, não têm onde morar e, constrangidos, invadem áreas de interesse público, como mananciais, é preciso afirmar que nesse caso a questão habitacional torna-se de interesse público e haveremos de buscar alternativas para que os trabalhadores tenham um teto e o manancial seja preservado. Assim, é preciso reverter o corporativismo e a alienação a ele vinculada, aprofundando a luta política, cimentando a concepção de uma nova sociedade fundada em um outro tipo de desenvolvimento tecnológico.
29) Os ecossocialistas propugnam pela reciclagem dos resíduos e materiais, pela descentralização geográfica da economia e da política, pelo combate ao desperdício e à obsolescência precoce planejada do produto. A durabilidade deve se constituir num critério de qualidade do produto. Estas são bandeiras que devem estar associadas à luta contra a pobreza (material e simbólica), contra a concentração de terra e renda e contra a dependência externa.
30) A conversão gradual do complexo militar e industrial para uma economia voltada para um desenvolvimento autogerido, democrático e sustentável deve ser acompanhada pela transformação radical dos critérios de investigação de ecotécnicas, tecnologias economicamente eficientes, poupadoras de energia, descentralizáveis (tanto no plano técnico como no político), ecologicamente seguras e capazes de serem apropriadas e geridas pelo trabalho coletivo.
31) A tendência atual do capitalismo de diminuir cada vez mais o número de trabalhadores do processo de produção material, aumentando enormemente a capacidade de produção, tem como um dos sustentáculos a manipulação do desejo, a fabricação capitalista da subjetividade por meio da mídia, sobretudo da televisão. Este tem sido um poderoso instrumento político dos grandes monopólios. A democratização dos meios de comunicação torna-se essencial. Pela "Reforma Agrária do AR".
32) A defesa do ensino público, gratuito e de qualidade em todos os níveis é fundamental para que criemos um complexo científico-tecnológico que contribua para um desenvolvimento ecologicamente seguro, voltado para o interesse comum e a soberania dos povos. Só com um estreitamento profundo da universidade com os interesses da grande maioria do povo será possível quebrar o mito da neutralidade das forças produtivas. A busca de um paradigma filosófico e científico não-reducionista é parte da luta por uma universidade de qualidade e voltada para o interesse comum.
33) Um projeto ecossocialista pressupõe as reformas agrária e urbana, que devem ser pensadas na sua articulação com a matriz energética. O incentivo às formas de geração de energia descentralizadas como miniusinas, biodigestores, eólica (vento) e solar é importante no sentido de democratizar o acesso à energia sem aumentar a pressão sobre a atual matriz energética, esta sim excludente, com vistas a possibilitar o desenvolvimento de pequenas e médias cidades. Essa preocupação não deve nos omitir das responsabilidades referentes aos problemas das grandes cidades, exigindo a proteção das encostas, dos mananciais e fundos de vales, a primazia do transporte coletivo sobre o individual, o uso do gás como combustível, as ciclovias, a reciclagem do lixo urbano e outras propostas.
34) Na sociedade atual há um verdadeiro culto à centralização, à concentração e ao que é grande (ao maior) sob o pretexto de que seriam mais eficientes. Combatemos radicalmente esse princípio, não por um culto ingênuo ao pequeno, ao menor, mas sim pela hierarquização e centralização do poder que os MEGAPROJETOS comportam. O limite de tamanho é desigual para as diferentes atividades e sociedades e não é uma questão de ordem exclusivamente técnica, embora comporte, como tudo, um lado técnico do fazer. Como tal, o limite do tamanho é sobretudo do campo político e, assim, deve ser estabelecido a partir de uma base democrática e autogestionária. Não é difícil perceber a íntima relação entre os MEGAPROJETOS no Brasil (Tucuruí, Jari, Carajás, Angra I e II, Itaipu...) e o suporte autoritário que os criou. E aqui não devemos confundir o autoritarismo com sua fachada aparente que foi a ditadura militar, mas, sobretudo, ver os vínculos profundos que mantém com o capital monopolista.
35) Os ecossocialistas lutam pelo desenvolvimento de formas democráticas e participativas de gestão em todos os níveis, desde o local de trabalho até o Parlamento, por meio da combinação da democracia direta e da representativa. Acreditamos ser esta uma forma evoluída de gestão política e administrativa. Os cidadãos trabalhadores devem ter uma noção geral dos problemas e participar criativamente das soluções, substituindo a visão fragmentária por uma visão holística (que se preocupa com a relação das partes entre si, das partes com o todo e com a relação do TODO retroagindo sobre as partes). Para isso são necessários tanto um processo educacional que, ao mesmo tempo que estimule o senso crítico e a criatividade, vise o interesse público como uma radical democratização dos meios de comunicação. Sem essas condições as mudanças no regime de propriedade e nas formas de gestão, que estão associadas, ficam comprometidas.
36) Para os ecossocialistas uma nova ética revolucionária é precondição de uma nova política: os FINS não justificam os MEIOS. As práticas autoritárias, machistas, elitistas, militarizadas e predatórias só fundamental uma falsa transformação, sem a afirmação de novos valores para uma nova sociedade.
 37) Essa nova ética ecológica planetária é incompatível com a exportação de lixo químico dos países ricos para os países periféricos e inconciliável com os testes nucleares que transformam o planeta em laboratório e a população em cobaia. Sobretudo agora, quando caiu o Muro e com ele toda a lógica da Guerra Fria e sua corrida armamentista, torna-se necessária a desnuclearização do mundo para que a política não fique submetida àqueles que têm o poder de definir a morte. A queda da burocracia no Leste Europeu, saudada por todos os verdadeiros socialistas, deixou, por outro lado, o imperialismo de mãos livres para apertar o botão.
38) Defendemos uma nova divisão internacional do trabalho radicalmente diferente da atual, em que os países ricos se reservam as tecnologias de ponta, como a robótica, a biotecnologia, a química fina e o laser, e relocalizam no Terceiro Mundo as indústrias sujas, altamente degradadoras do meio ambiente e consumidoras de energia, inclusive do próprio homem. Uma nova ética ecológica planetária supõe intercâmbio, cooperação, paz, solidariedade e liberdade no lugar da hipocrisia do nacionalismo chauvinista que justifica as próprias agressões praticadas por cada governo e empresas contra suas próprias populações e seu meio ambiente. O direito à autodeterminação dos povos não pode ser invocado para destruí-los, assim como suas fontes naturais de vida. Um novo conceito de soberania é necessário, incorporando uma ética ecológica.
39) O ecossocialismo não se constrói num só país nem numa só direção. A solidariedade entre todos aqueles que são negados em sua humanidade, por serem explorados e oprimidos, se faz pelo reconhecimento de que formamos uma mesma espécie, cujo maior patrimônio é nossa diferença cultural. Uma posição verdadeiramente revolucionária, ecossocialista, reconhece que habitamos uma mesma casa, o planeta Terra, que, por sua vez, vem sendo ameaçado por um internacionalismo fundado no dinheiro e no lucro e por um poder altamente concentrado: o IMPERIALISMO.
40) Os ecossocialistas entendem que é necessário romper com a idéia restrita de revolução, originária da mitológica tomada de assalto do poder, militarizada e, por sua vez, derivada de uma restrita visão do Estado. Afirmamos que inexiste o tal corte absoluto mistificado na história, uma vez que o processo de transformação social é composto não por uma, mas por várias rupturas, descontinuidades, desníveis e disfunções. No entanto, numa sociedade em que o poder está hierarquizado, do cotidiano familiar ao aparelho de Estado, passando pelos locais de trabalho, as diversas rupturas nos diversos níveis têm contribuições diferenciadas, embora todas essenciais num verdadeiro processo de transformação, aliás em curso. Aqui se faz necessária, mais uma vez, uma visão que dialetize a relação entre as partes e o todo. Os debates acerca dessa questão vêm ganhando maior profundidade no seio da esquerda. Mesmo aqueles que procuram afirmar a ideia de uma ruptura têm apontado que ela implica o estabelecimento de novas relações entre o Estado e a sociedade civil, entre partidos e sindicatos e demais movimentos populares. Apontam que o socialismo se torna uma necessidade reconhecida pela população quando no processo de luta evidenciamos os limites de desenvolvimento capitalista. Esses limites são evidenciados, por sua vez, quando a burguesia rejeita propostas humanização em geral, em particular no tocante à socialização da propriedade. Desse modo, a ruptura deve ser entendida como o resultado prático e teórico da dialética reformas/revolução. Nesta dialética é fundamental, portanto, entender que a teoria e a prática para uma sociedade socialista devem existir já a partir do capitalismo, embora condicionada pelos limites e barreiras dessa sociedade. Aí são fundamentais, por exemplo, os Conselhos Populares. Estes devem ser organizações da sociedade civil autônomas em relação ao Estado e aos partidos, atuando como verdadeiros laboratórios de construção de hegemonias. Assim, a democracia socialista não é simplesmente a negação da democracia capitalista, mas sim a sua superação. Se a democracia é um valor estratégico, como acreditamos, e não tático, e o poder não se localiza em um lugar restrito, como no aparelho de Estado, por exemplo, devemos instituir práticas democráticas em todos os lugares de interesse público, inclusive nas unidades de produção (empresas / locais de trabalho), o que implica repensar o regime de propriedade. Afinal, assim como os fluxos de matéria e energia dos ecossistemas e mesmo da sociedade transcendem as fronteiras nacionais, o mesmo ocorre com as cercas e fronteiras da propriedade privada.
41) Por fim, a atual crise que afeta a humanidade expressa na descrença com relação ao futuro, no hipocondrismo, no alcoolismo, na violência cotidiana, no estresse, na apatia e no consumo indiscriminado de drogas em geral mostra a decadência do atual modelo de desenvolvimento. Repudiamos a militarização do combate às drogas que vem substituindo a antiga caça aos comunistas. A militarização no combate às drogas acaba por escamotear a verdadeira questão: o esvaziamento do sentido da vida, a instrumentalização mercantilizada do desejo, a vida sem direito a fantasias típicas da sociedade que transformou a liberdade "numa calça velha, azul e desbotada", conforme um anúncio publicitário. Nós, ecossocialistas, reconhecemos que, se é, num certo sentido, verdadeiro que ninguém vive de fantasia, também é verdadeiro que a dimensão da fantasia é inerente à vida. Assim, repudiamos a sociedade que reduz a fantasia à sua por intermédio da droga.
Disponível em:http://www.mma.gov.br/informma/item/8075-manifesto-ecossocialista.html, acesso em 23/12/2018.

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