[...] quem dera, então, a “questão distributiva”, as causas da
desigualdade social presentes no conflito capital-trabalho e os desequilíbrios
criados pelos “retornos acumulados” em favor do capital fossem
colocadas/os, também, no cerne da interpretação e da aplicação das leis",
escreve Jaques Távora Alfonsín, advogado.
Eis
o artigo.
Os índices de medição do crescimento econômico de um país são
considerados, pela maioria dos economistas, como o melhor sinal de progresso,
quando positivos, ou de alarme, quando negativos, nesse caso impondo-se
ao poder público implementar sem demora políticas
tendentes a defender e garantir um percentual capaz de refletir a retomada da
sua subida indefinidamente.
O livro recente de Thomas Piketty “O capital no século XXI” (Editora Intrínseca ltda., Rio de Janeiro, 2014),
não concorda com isso.
Com a vantagem de se distanciar das influências ideológicas sempre presentes em
torno desse assunto, disputando espaço para fazer passar os seus
posicionamentos como científicos, ele demonstra como esse crescimento concentra
riqueza e não diminui a desigualdade social.
Não o faz sem humildade, o que, para grande parte dos economistas e futurólogos
otimistas com o crescimento econômico, já serve como uma primeira lição: “Todas
as conclusões as quais cheguei são, por natureza, frágeis e merecem ser postas
em questão e debate.
A pesquisa em ciências sociais não tem a vocação de produzir certezas
matemáticas e substituir o debate público, democrático e diversificado”.
Mesmo para quem não é
economista, como é o nosso caso, dá para perceber-se a indisposição do autor
com a defesa intransigente de imposição desse caminho único do crescimento para
a economia mundial.
Lida com estatísticas relacionados com o crescimento demográfico presente no
mundo comparando-as com o econômico; vê o quanto de “ilusões e irrealidades”
aparecem nos graus de correspondência deste com aquele; prova historicamente
como as desigualdades das rendas do capital são sempré superiores as do
trabalho; ataca as teses que legitimam habilidades “superiores” como
justificativas da desigualdade; não hesita entrar de cheio no conflito
capital-trabalho e a possível substituição da “luta de classes”, pela “luta de
gerações”; denuncia até o quanto as heranças (que não pressupõem trabalho de
quem delas é titular), retomaram importância, modernamente, inclusive ao ponto
de determinar ”em grande parte, quem vai se tornar proprietário, com qual
idade, com que cônjuge, onde e em que proporção, ou no mínimo de modo mais
determinante do que acontecia com a geração dos seus pais.”
Previne as/os leitoras/es
sobre várias inspirações do seu livro.
Três delas merecem lembrança expressa.
A primeira, relacionada com a urgência de se recolocar a questão distributiva
como essencial à análise econômica.
A segunda, relacionada com a desigualdade da renda do trabalho e do capital,
causa do seu histórico conflito e a terceira relacionada com os efeitos do
crescimento acumulado somados aos dos retornos acumulados, sobre toda a
economia e, consequentemente, - poder-se-ia acrescentar aqui – sobre a vida de
todas as pessoas, inclusive a das/os que agora nos lêm.
Sobre a primeira, diz ele: “Os economistas do século XIX devem ser louvados.
Afinal, foram eles que colocaram a questão distributiva no cerne da análise
econômica e tentaram estudar as tendências de longo prazo”.
[...] “Não há motivo algum para acreditar que o crescimento tende a se
equilibrar de forma automática. Demoramos muito tempo para recolocar a questão
da desigualdade no centro da análise econômica, e mais ainda para resgatar os
questionamentos do século XIX.
[...] “Para trazer à tona a questão distributiva, é preciso começar reunindo a
base de dados históricos mais completa possível a fim de compreender o passado
e refletir sobre as tendências futuras. Somente estabelecendo fatos e
identificando padrões e regularidades, para então comparar países e contrastar
experiências, poderemos ter a esperança de revelar os mecanismos em operação e
proporcionar um maior esclarecimento sobre o futuro.”
Sobre a segunda, relativa à
desigualdade entre capital e trabalho, Piketty foi bem incisivo. Considerando-a como
“extremamente violenta”, arrematou: “Ela bate de frente com as concepções mais
comuns do que é justo e do que não é e, portanto, não surpreende que o assunto
às vezes acabe deflagrando agressões físicas.
Para todos aqueles que nada possuem além de sua força de trabalho e que,
frequentemente, vivem em condições modestas, para não dizer miseráveis, como no
caso do camponeses do século XVIII, ou dos mineiros de Marikana (lembrança do autor ao assassinato,
perpetrado pela polícia sul-africana, contra mineiros em greve, nessa região
próxima de Joanesburgo no ano de 2012), é difícil aceitar que
os detentores do capital - alguns dos quais, ao menos em parte, herdam
essa condição - possam se apropriar de um montante significativo da riqueza
produzida sem que tenham trabalhado para isso.
A participação do capital pode alcançar níveis elevados: geralmente entre um
quarto e a metade do valor produzido. Contudo, as vezes ela chega a superar
essa parcela nos setores em que o utilizam de maneira mais intensiva, como a
mineração. Quando há monopólios locais, a participação pode ser ainda maior”.
Sobre a terceira das muitas
fontes inspiradoras do seu livro, diz Piketty: “A lei do “crescimento acumulado” é de natureza
idêntica à lei chamada de “retornos acumulados”, segundo a qual uma taxa de
retorno anual de alguns pontos percentuais, acumulada ao longo de várias
décadas, conduz automaticamente a uma expansão muito forte do capital inicial -
contanto que os retornos sejam sempre reinvestidos ou ao menos que a parte
consumida pelo detentor do capital não seja grande demais em comparação com a
taxa de crescimento do país.
A tese central desse livro é precisamente que uma diferença que parece pequena
entre a taxa de retorno (ou remuneração) do capital e a taxa de crescimento
pode produzir, no longo prazo, efeitos muito potentes e desestabilizadores para
a estrutura e a dinâmica da desigualdade numa sociedade.
Tudo decorre, de certa maneira, da lei do crescimento e do retorno acumulado e,
portanto, é aconselhável que nos familiarizemos com essas noções.”
Quem dera, então, a “questão
distributiva”, as causas da desigualdade social presentes no conflito
capital-trabalho e os desequilíbrios criados pelos “retornos acumulados” em
favor do capital fossem colocadas/os, também, no cerne da interpretação e da
aplicação das leis.
Decisões administrativas, sentenças e acórdãos, lidando diariamente com
conflitos humanos agudos, fruto de uma injustiça social inerente ao nosso
sistema econômico-político - as vezes reproduzida pelo empenho do capital em
defender esse chamado “crescimento”, “justificando” os seus abusos em nome do
“progresso” - passam imunes ao forte questionamento que o respeito devido aos
direitos humanos fundamentais sociais oferece, justamente aí, para fazer-se
valer.
O que deveria ser
obrigatório ponderar-se, em casos tais, até em decorrência da aplicação do
princípio constitucional da função social da propriedade, fica longe de
qualquer cogitação.
Se outro não for considerado
o mérito, portanto, de se estudar e debater as lições da obra “O capitalismo no
século XXI”, talvez o maior esteja no próprio escrito do seu autor.
Simbolizando com a letra “r” a taxa de rendimento privado do capital e com a
letra “g” a do crescimento da renda e da produção, conclui: “ A desigualdade r
> g faz com que os patrimônios originados no passado se recapitalizem mais
rápido do que a progressão da produção e dos salários. Essa desigualdade
exprime uma contradição lógica fundamental.
O empresário tende inevitavelmente a se transformar em rentista e a dominar
cada vez mais aqueles que só possuem sua força de trabalho. Uma vez
constituído, o capital se reproduz sozinho, mais rápido do que cresce a
produção. O passado devora o futuro.”
Uma advertência dessa
gravidade tem sido repetida pela ONU, em várias das suas declarações, por quem estuda e
trabalha com a ecologia política, por quem defende direitos humanos, por quem
se dedica à proteção dos interesses difusos no meio jurídico, e por várias das
manifestações dos Foruns sociais mundiais.
Sem uma outra economia, como a solidária, sem um outro modo de produção, como o
da justa partilha dos seus resultados econômicos, poderá até haver crescimento
sim, mas, pelo visto, gerando desigualdade social e exclusão.
O passado não pode devorar o futuro!
Fonte IHU, Terça, 11 de
novembro de 2014
[...] quem dera, então, a “questão distributiva”, as causas da
desigualdade social presentes no conflito capital-trabalho e os desequilíbrios
criados pelos “retornos acumulados” em favor do capital fossem
colocadas/os, também, no cerne da interpretação e da aplicação das leis",
escreve Jaques Távora Alfonsín, advogado.
Eis
o artigo.
Os índices de medição do crescimento econômico de um país são
considerados, pela maioria dos economistas, como o melhor sinal de progresso,
quando positivos, ou de alarme, quando negativos, nesse caso impondo-se
ao poder público implementar sem demora políticas
tendentes a defender e garantir um percentual capaz de refletir a retomada da
sua subida indefinidamente.
O livro recente de Thomas Piketty “O capital no século XXI” (Editora Intrínseca ltda., Rio de Janeiro, 2014),
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